Racismo me tirou a pessoa que mais amava, diz pai de homem assassinado por seguranças no Carrefour

João Alberto Silveira Freitas, 40, planejava comprar carro para trabalhar em transporte de mercadorias

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Porto Alegre

O pai de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos que foi espancado até a morte em Porto Alegre na noite da última quinta-feira (19), disse à Folha que perdeu a pessoa que mais amava em um episódio de racismo.

“Estou me sentindo abatido. Perdi a pessoa que mais amava. Amava minha mulher, que perdi há seis anos. Agora perdi meu filho. Tínhamos uma amizade de pai e filho, nos respeitávamos”, disse João Batista Rodrigues Freitas, 65.

“Foi um episódio de racismo. Basta ver a força da agressão. Primeira coisa que perguntei foi: 'Ele estava roubando?'. Se não estava, por que ser agredido? E por que ser agredido brutalmente pelos seguranças? Aliás, não posso chamá-los de seguranças porque isso desmerece os profissionais que são seguranças de verdade”, disse.

João Alberto Silveira Freitas era conhecido como Beto. “Ele ganhou esse apelido da madrinha com um aninho de idade", disse o pai.

Amigos de Beto relataram à reportagem que o ambiente do mercado era hostil aos clientes torcedores do clube de futebol São José. "Geralmente, quando ia no mercado, o segurança já começava ficar olhando de cara feia pra gente, já tinha discriminação contra nós. Pegaram ele sozinho e agiram daquela forma", disse o amigo Carlos Eduardo Borges Carneiro.

Os seguranças Magno Braz Borges e Giovane Gaspar da Silva foram detidos e presos em flagrante por homicídio qualificado. A reportagem não localizou seus advogados de defesa.

Beto era torcedor do Zequinha, como o clube é conhecido na capital gaúcha. “Ele vinha aqui, fazia churrasco nos dias de jogos. Se dava bem com todo mundo. Era gente boa. Foi uma surpresa”, disse Sérgio Gozdziuk, proprietário de uma lanchonete próxima do estádio Passo D’Areia, do Zequinha.

Segundo o pai, Beto, como era chamado pelos amigos, deixa quatro filhos, de relacionamentos anteriores.

“Estou muito abatida”, disse à Folha Milena Borges Alves, 43, companheira de Beto, em frente à casa onde ele morava e antes de embarcar em um carro da Polícia Civil para ser ouvida.

Milena estava com Beto no supermercado. Ela disse a jornalistas que, depois de fazerem as compras, ele fez um aceno em tom de brincadeira para a funcionária do caixa e saiu do mercado. Milena, depois de pagar pelas compras, saiu do local, e viu o marido ainda consciente sendo agredido. “Ele disse: 'me socorre, Milena'”, contou ela à Band News.

“Milena é uma trabalhadora, sempre na batalha. Ela e o Beto estavam juntos há muitos anos. Ele era respeitoso, uma pessoa legal”, disse a amiga da viúva, Rejane Aparecida Prado dos Santos, 52.

O pai de Beto conta que o sonho do filho, de adquirir um carro para fazer entregas, “foi interrompido de maneira brusca”.

“A última vez que falei com ele foi no dia do assassinato. Tínhamos plano de comprar um veículo utilitário para transportar produtos no Ceasa. Mas, para isso, precisávamos do carro. Então, faríamos um financiamento. Mas esse sonho foi interrompido de maneira brusca”, disse o pai.

Ele fazia serviços gerais e trabalhos de jardinagem, segundo o pai.

O caso tem sido comparado ao assassinato de George Floyd, um homem negro assassinado por sufocamente nos Estados Unidos em uma abordagem policial. “Não consigo respirar”, disse Floyd, enquanto era contido.

No caso de Freitas, os seguranças chegaram a ficar em cima dele, nas costas, segundo a delegada Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa de Porto Alegre. Esse tipo de contenção dificulta a respiração.

“Foi verificado junto à perícia que provavelmente ele tenha morrido por asfixia ou ataque cardíaco. O dois seguranças que agrediram ficaram em cima dele, aquilo dificultou a respiração dele. Quando falamos em asfixia não significa necessariamente estrangulamento, mas aquela forma de contenção de ficar em cima dele fez com que tivesse dificuldade de respirar e pode ter ocasionado um ataque cardíaco. Aguardamos o laudo oficial, mas são indícios preliminares a partir de sinais identificados pela perícia no corpo dele”, disse Bertoldo à Folha.

O corpo de João Alberto deve ser velado a partir das 8h deste sábado (21) no cemitério São João, no bairro Iapi, onde o sepultamento deve ocorrer às 11h.

Um protesto foi marcado para as 18h desta sexta, em frente ao local onde ocorreu o crime. No final da manhã, um grupo protestou em frente ao mercado.

O Dia da Consciência Negra não é feriado na capital gaúcha.

"Imagina só um racista na hora morte. Quando ele chega no céu se depara com Deus e descobre que Deus é negro? Estou muito revoltada. Ele era conhecido de todos nós, não admito esse crime”, disse Claudia Valmorbida, 60, moradora do bairro Passo D’Areia.

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