Fim de auxílio e alta nas mortes por Covid-19 causam temor na periferia

Comerciantes e líderes de comunidades afirmam que poder público não olhou para o pequeno empreendedor

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Lucas Veloso
São Paulo | Agência Mural

Perto da estação de trem em Guaianases, na zona leste de São Paulo, fica uma lanchonete de propriedade de Bianca Alves de Araujo, 30. Quando foi confirmada a pandemia de Covid-19 e teve início o período de quarentena, em março, seu negócio foi atingido por medidas restritivas: os clientes não podiam comer ou beber dentro da casa, e a saída foi investir no sistema de entregas.

Bianca é dona de uma lanchonete em Guaianases, na zona leste de SP, e teve de parar o atendimento presencial por quatro meses - Arquivo Pessoal

Quatro meses depois houve flexibilização das medidas. Araujo diz que conseguiu recuperar parte do prejuízo, mas agora vê novamente a pandemia se agravar. Apesar dos receios, a comerciante afirma que não se surpreendeu com a nova alta de casos de contaminados pelo coronavírus.

“A doença nunca foi embora, mas, infelizmente, as pessoas vão parando de se cuidar”, diz. “Agora temos que reforçar os cuidados e cuidar uns dos outros porque qualquer descuido pode ser fatal.”

Nos últimos meses, houve queda nas doações de alimentos para famílias pobres, e Araujo fala de preocupações relacionadas ainda ao fim do auxílio emergencial.

Oficialmente, o governo federal mantém o posicionamento de que encerrará o pagamento do auxílio. Existe a possibilidade de uma prorrogação, a depender do número de mortes por Covid-19.

Crianças sem aula e pais incertos sobre como funcionará o ano letivo no próximo ano, o desemprego e a possibilidade de ser necessário endurecer a quarentena também preocupam. Mesmo diante da crise, Bianca diz que não conhece políticas públicas voltadas aos empreendedores e comerciantes.

“O governo federal não deu suporte necessário para os microempreendedores Individuais durante essa pandemia e nós passamos sufoco com um auxílio emergencial”, define. “Esse governo reforça a lógica de aprofundamento da desigualdade pois auxilia e ajuda grandes empresas e deixa afundar os pequenos”.

Questionado pela reportagem, o Governo Federal nega. Em nota, afirma que não poupou esforços para que o crédito dos diversos programas emergências chegasse efetivamente a quem precisa e que os dados estão disponíveis no portal Vamos Vencer e o Portal do Empreendedor.

Para a dona da loja, os últimos oito meses foram de aprendizados. A equipe de entregadores aumentou, e quem atua na cozinha foi treinado para se adaptar às medidas sanitárias e à nova lógica da vida social da pandemia. Passados os meses de prejuízo, Araujo se diz mais segura em caso de recuo na flexibilização. “Agora estamos preparados se precisarmos ficar fechados”.

Na zona leste, a empreendedora e líder comunitária em Cidade Tiradentes, Rúbia Mara da Silva Oliveira, 31, afirma que a periferia teve pouco isolamento, devido a questões sociais, como a falta de renda. “As pessoas continuaram nas ruas, ainda que algumas empresas tenham fechado”.

Ela diz, contudo, que pouca coisa muda agora com a nova alta de casos e mortes. Para ela, a periferia entendeu que a única saída é continuar a rotina. Outra coisa apontada pela líder é que, com as festas de fim de ano, é mais dramático pensar em fechar comércios que tentam se recuperar dos meses de prejuízo. “É difícil imaginar o fechamento das lojas e restaurantes no Natal, por exemplo. E o governo não vai conseguir controlar tudo isso”.

Sobre o auxílio do governo a comerciantes e à população para diminuir o impacto da pandemia, Rúbia diz desconhecer socorro de entidades públicas aos mais vulneráveis. “A sensação é de que na periferia a segunda onda vai vir e só rico vai ser salvo. O Estado deve demorar para assumir responsabilidade e a gente continua nesta crise”, resume.

Dos 20 distritos com mais mortes pela Covid-19, todos são das periferias da cidade, locais mais populosos e com piores condições de cumprir o distanciamento social.

Cidade Tiradentes, onde Rúbia mora, teve 237 mortes confirmadas e outras 133 que são suspeitas, segundo dados de 10 de dezembro da prefeitura.

Também na zona leste, Sapopemba é a mais afetada com 613 óbitos (433 confirmados e outros 180 suspeitos). Brasilândia, Grajaú, Cidade Ademar, Sacomã, Jardim São Luís e Capão Redondo aparecem na sequência dessa lista. Ainda sob a ameaça de restrições e crise econômica, os comerciantes tentam alternativas para manter os espaços em funcionamento.

A cabeleireira Ludimila Matos, 31, tem um salão há sete anos em um espaço alugado em Perus, na zona noroeste da cidade. O local reabriu em julho, quando a quarentena chegou a fase amarela do Plano São Paulo. Ela tem tomado alguns cuidados com a higiene, como o uso de máscaras e álcool em gel.

“O movimento ainda não está bom. Antes da pandemia, atendia uma média de oito pessoas por dia. Agora, atendo duas ou três. Tem dias que abro o salão para atender uma única cliente”, lembra.

Outro desafio citado entre comerciantes é que com poucos atendimentos é desafiador recuperar o prejuízo dos meses anteriores. Também é necessário, dizem, contabilizar o dinheiro para investimentos necessários à adequação às medidas exigidas ou recomendadas no período de pandemia. Como exemplo, citam as chapas de acrílicos, que barram perdigotos e a proliferação do vírus no ambiente.

Enquanto o comércio teme a necessidade de fechamento, nas maiores favelas da capital, a queda nas doações também causa preocupação. O presidente da Associação de Moradores de Paraisópolis, Gilson Rodrigues, 35, afirma que o cenário é de incertezas nos próximos meses e de dificuldades financeiras entre as famílias na região. “Não temos como nos manter sem ajuda das pessoas, ainda com a segunda onda e a possibilidade de um janeiro triste para o Brasil”.

Uma das ações para controlar atender a comunidade foi a contratação de ambulâncias. Por falta de recursos, porém, o serviço deve ser encerrado no próximo dia 20 de dezembro. Segundo informações da União de Moradores, foram mais de dez chamados nos últimos meses.

Com o objetivo de arrecadar mais dinheiro e divisão nas ações comunitárias, a opção foi criar uma plataforma de doação, que inclui atividades no Natal, como a distribuição de alimentos e calçados às famílias. Em Heliópolis, na zona sul, a líder comunitária Antonia Cleide Alves, 56, diz que enxerga com “muita preocupação e muito medo” a nova alta de casos.

Por lá, diz que grande parte das pessoas não usa máscaras e também teme-se o fim do auxílio emergencial. “Fico imaginando que estas pessoas não irão cumprir o isolamento e terão que sair para trabalhar. Os hospitais estão lotados, e a incidência de mortes pode aumentar aqui. Conhecemos muitas pessoas que morreram na pandemia”, afirma.

Antônia comenta a importância das doações que chegaram na favela nos últimos meses e que seguem em queda. “Foi muito importante para as pessoas terem o que comer”. No caso dos comerciantes, nem todos conseguiram recuperar suas receitas. “Todos falam da diminuição do consumo”.

Sobre a atuação do governo federal, a líder afirma que tem sido de omissão. “Isso nos preocupa porque ele passa a imagem de que vidas não importam”, acrescenta.

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