PM que ameaçou colega com arma no centro de SP diz ter surtado após bronca por atraso

Ministério Público denunciou soldado, que permanece no presídio especial da PM; soldado pode ser demitido

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São Paulo

O policial militar que ameaçou um colega com uma arma no centro de São Paulo, no início deste mês, relatou problemas psicológicos e afirma que teve um surto após levar bronca por atrasar ao retornar do almoço, segundo depoimento dado em interrogatório no último dia 4, depois de ter sido preso.

O soldado Felipe Nascimento, 34, também disse ter se arrependido de seu comportamento logo após sacar a arma, mas que, quando se deu conta do que estava fazendo, já era tarde demais.

“Quando eu estava com a arma apontada para a cabeça dele, passou um filme na minha cabeça. E me arrependi, pensei na minha família, no meu emprego, mas já era tarde. [Arrependo] de tudo, de perder a paciência com uma coisa simples”, diz trecho de depoimento obtido pela Folha.

Ataque de fúria de policia militar no começo no mês na esquina das ruas Santa Ifigênia e dos Timbiras, na região central de São Paulo - Credito:Reprodução

Na versão apresentada aos superiores, Nascimento afirmou que vinha sendo acompanhado por uma unidade Naps (Núcleo de Atenção Psicossocial) desde que pedira ajuda ao comandante da companhia. O oficial, segundo ele, tinha conhecimento de seu quadro.

“Solicitei tal acompanhamento devido a problemas familiares e financeiros e, juntamente com meu CGP [comandante de patrulha], solicitei apoio para uma ajuda com um psicólogo na Polícia Militar”, disse ele.

Sobre o fato em si, o policial disse que se atrasou para render o colega, o cabo Márcio Simão de Oliveira Matias, porque, enquanto caminhava em direção ao local, foi chamado por pessoas na rua para atender alguém que passava mal. Por isso, teria se atrasado por 25 minutos.

Nascimento conta que, ao chegar, começou a levar uma bronca do colega, um superior hierárquico. “O cabo Simão me chamou de lado da via e falou: 'É justo você passar 25 minutos do horário combinado e eu ter que fazer a refeição em 30 minutos?”.

O PM diz ter dado a explicação para o atraso, mas que isso não teria sido suficiente para demover o cabo da intenção de comunicar a falta aos superiores para que Nascimento recebesse uma eventual punição.

Nascimento afirmou que tentou argumentar que isso não seria necessário e, diante da intransigência do colega, acabou surtando.

“Foi quando eu tive um surto e acabei sacando a minha arma e apontando para o cabo Simão, me alterei dizendo eu que estava ali para trabalhar e não para atrapalhar a vida de ninguém. [Foi] quando ele fez menção de pôr a mão na arma, prontamente coloquei o dedo no gatilho para defender minha vida e dos outros colegas”, afirmou.

Sob mira da arma, o cabo Simão teria dito que estava “guardando a caneta” e que não iria comunicar ninguém. “Ato contínuo, o cabo Simão tentou tomar a minha arma e, não conseguindo, correu para o meio da multidão e eu ainda apontei a arma na direção dele, pois não sabia qual a reação. Ao ver que ele se afastou e os demais colegas também, guardei minha arma”, disse.

Nascimento foi denunciado pela Promotoria pelos crimes de ameaça e desrespeito ao superior diante de outro militar. De acordo com o promotor Thiago Beretta Galvão Godinho, o PM colocou em risco a integridade física dos cidadãos e de outros policiais e sua ação “poderia resultar em um desfecho trágico”.

“A conduta praticada também causa mácula indelével à imagem da polícia militar como um todo, malferindo os princípios da hierarquia e disciplina militar”, disse o promotor em sua manifestação à Justiça.

A denúncia foi aceita no último dia 14 pelo juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria Militar, que deve agendar as oitivas dos envolvidos em 2021. O magistrado deverá analisar ao longo da instrução do processo se as alegações do PM são verdadeiras ou não, em especial se realmente teve um surto naquele dia. Isso deverá se confirmado com uma perícia.

Se, eventualmente, for confirmado que o policial não tinha condições de trabalhar nas ruas, os superiores que permitiram isso podem ser responsabilizados. Também podem ser responsabilizados os policiais militares que assistiram às ameaças praticadas por nascimento e não agiram.

Dois policiais militares, em média, foram afastados do trabalho por transtornos psiquiátricos, por dia entre janeiro e setembro de 2018 em São Paulo. Ao todo, foram retirados de serviço 555 PMs, ante 454 no mesmo período de 2017.

Para juízes do TJM (Tribunal de Justiça Militar) de São Paulo, as ações praticadas por Nascimento são grave e dificilmente ele ficará sem punição. O policial também pode ser expulso da corporação em processo administrativo, ainda que seja absolvido pelo TJM.

Em nota, a assessoria de imprensa da Polícia Militar esclarece que o Soldado PM Felipe havia passado por acompanhamento psicológico no Naps (Núcleo de Atenção Psicológica Social da PM) da região central, em procedimento adotado regularmente pela instituição em relação ao efetivo. Contudo, na ocasião, não foram observadas demandas psiquiátricas ou que sugerissem a necessidade de afastamento da atividade profissional.

"O fato permanece sob avaliação e o policial está sujeito às punições cabíveis, de acordo com o código penal militar e o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de São Paulo", diz o texto.

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