Descrição de chapéu Obituário Paulo Apóstolo Costa Lima Assunção (1956 - 2021)

Mortes: Botânico autodidata, contribuiu para a identificação de centenas de espécies amazônicas

Paulo Apóstolo Costa Lima Assunção participou de várias incursões pela floresta amazônica, em que contribuía com as descobertas científicas

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São Paulo

Em meados dos anos 1980, o jovem Paulo Apóstolo Assunção achou que já tinha achado um rumo na vida.

Depois de trabalhar duro garimpando ouro em Serra Pelada, juntou as economias e pegou um barco até Manaus. Ali, compraria mercadoria na Zona Franca para abrir uma loja de eletrônicos em Marabá (PA), sua cidade natal. No primeiro dia na capital amazonense, porém, ladrões levaram todo o seu dinheiro. Ficou zerado.

O negócio foi recomeçar. Por meio de conhecidos, descobriu que o PDBFF (Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais) estava contratando mateiros. Era o ano de 1986. Começava a carreira de um dos mais respeitados parataxônomos da Amazônia.

Ao longo de mais de três décadas, Paulinho, como passou a ser chamado pelos pesquisadores, participou da identificação, nomeação e classificação de centenas de espécies novas de plantas.

O parataxônomo Paulo Apóstolo Assunção, 64, vítima da Covid-19 em Manaus
O parataxônomo Paulo Apóstolo Assunção, 64, vítima da Covid-19 em Manaus - Arquivo pessoal

Foram inúmeras incursões pela floresta amazônica, em que contribuía com as descobertas científicas sem deixar que seu grupo se perdesse na selva ou pisasse em cobras. Incansável, subia em até dez árvores por dia para colher frutos e flores.

Paulinho se destacou logo na primeira missão, quando foi um dos mateiros designados para um subprojeto do PDBFF sobre Lecythidaceae, família botânica à qual pertence a castanha do Brasil.

O trabalho, liderado pelo pesquisador Scott Mori, do Jardim Botânico de Nova York, resultou na identificação de 39 espécies em uma área de apenas 100 hectares.

“Scott quase dobrou o número de espécies dessa família na Amazônia, graças aos mateiros”, afirma o botânico galês Mike Hopkins, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), que conheceu Paulinho há 25 anos.

Enquanto empregava os conhecimentos da cultura cabocla para navegar pela floresta mais biodiversa do mundo, Paulinho passou a memorizar os nomes vulgares e científicos. Com o tempo, aprendeu também a identificar espécies de plantas.

“Ele era um dos mateiros mais procurados porque sabia a identificação de espécies, o que é muito difícil. Estudava por conta própria. Quando voltava para Manaus, estava sempre no Herbário do Inpa”, afirma a amiga Mariana Mesquita, técnica do instituto.

Em 1993, Paulinho foi contratado para o projeto do Flora da Reserva Ducke, em Manaus, quando trabalhou por seis anos com Hopkins.

No campo, impressionou o pesquisador galês com identificação precisa de árvores por meio da casca, diferentemente dos botânicos, que geralmente preferem analisar flores e frutos. Só neste projeto, contribuiu para identificar cerca de 70 novas espécies.

“Eu perguntava: ‘Como você sabe a família da planta?’. Ele respondia: ‘Pelo jeitão’”, lembra Hopkins.

Aos poucos, Paulinho conseguiu explicar ao pesquisador como os seus olhos enxergavam a mata. Nos anos seguintes, aperfeiçoou o didatismo e passou a dar cursos sobre o trabalho botânico na floresta amazônica.

“Sou botânico por causa do Paulo. Antes, era ecólogo. Foi ele quem me ensinou a trabalhar com plantas.”

Apesar do trabalho brilhante, Paulinho tinha dificuldades em manter um emprego estável. Incentivado pelos pesquisadores, concluiu o ensino médio por meio do curso supletivo, hoje EJA (Educação de Jovens e Adultos), mas não conseguiu passar nos concursos para técnico do Inpa, que exigiam habilidades inúteis na selva, como o uso do programa Excel.

“Paulo não tinha emprego fixo ou possibilidade de ‘home office’, ele vivia de consultorias, muitas informais. Quando contraiu a Covid, no final de novembro, me falou de sua suspeita assustado e arrependido de ter realizado um trabalho de campo onde acreditava ter contraído o vírus, mas era a necessidade, o dinheiro estava curto”, escreveu o amigo e pesquisador do Inpa Alberto Vicentini.

Paulinho foi internado em Manaus em 16 de dezembro e morreu na última terça-feira (12), por complicações da Covid-19, a duas semanas de completar 65 anos. Deixa a mulher, Morgana, e os filhos Paulo Samuel, Dã Allan e João Pedro.

“A botânica brasileira fica de luto. Dizem que ninguém é insubstituível, mas cientistas como Paulo são raros, e a ciência especializada, monetizada em suas publicações Qualis, não permite que Paulos sejam formados em nossas escolas”, diz Vicentini. “E Paulo não foi formado nelas, foi mais sim um professor nelas.”

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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