PM de SP vê ligação de ataques a bancos com auxílio emergencial e apreensão de drogas recorde

Relatório de inteligência traz raio-x de 30 ações violentas ocorridas no estado desde 2018

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São Paulo

Mais de R$ 54,4 bilhões foram pagos a benificiários do auxílio emergencial no estado de São Paulo durante a pandemia da Covid-19.

Também em 2020, sobretudo durante a quarentena, a polícia paulista bateu recorde de entorpecentes apreendidos –foram quase 300 toneladas até novembro.

Embora sejam dados de duas áreas distintas (assistência social e segurança pública), sua conjunção contribuiu para o surgimento de novos ataques a instituições financeiras no ano passado, um fenômeno conhecido como “novo cangaço”, segundo relatório de inteligência da Polícia Militar obtido pela Folha.

O documento, utilizado pelo comando da corporação para definir estratégias de trabalho e alocação de recursos, também traz um mapa dos 30 principais ataques a instituições financeiras no estado de 2018 até agora, classificados pela polícia como ações de “criminalidade ultraviolenta”.

“O crime organizado tem como principal fonte de renda o tráfico de drogas, e sua repressão gera um ciclo migratório, logo, grandes apreensões geram prejuízos aos criminosos, que por sua vez buscam outras fontes de renda, como ataques a instituições financeiras que concentram um grande volume de dinheiro em espécie”, diz trecho de um documento da gestão João Doria (PSDB).

Policiais de protegem atrás de veículo durante cerco a bandidos que atacaram agência bancária em Botucatu (SP), a 235 quilômetros de SP, em julho deste ano - Divulgação/Policia Militar

As ações ultraviolentas são aquelas em que criminosos fortemente armados, em grupos de 15 a 30 componentes, invadem cidades de pequeno e médio porte para atacar instituições financeiras com explosivos e, muitas vezes, cercam unidades policiais e enfrentam as forças de segurança.

Foi o que aconteceu em Botucatu, em julho deste ano, quando bandidos atacaram o batalhão da PM enquanto outra parte do bando tentava roubar uma unidade do Banco do Brasil. Por duas horas, os criminosos enfrentaram as equipes chamadas no apoio, como Rota e Gate.

Ainda segundo os dados do relatório da PM, até por conta de programas assistenciais do governo federal, as agências do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal aparecem entre os principais alvos.

Foi com base em relatórios semelhantes, produzidos pelos setores de inteligência, que a PM ampliou no interior o número de unidades com maior poder de enfrentamento, os Baeps (batalhão de operações especiais).

Também distribuiu fuzis e metralhadoras e alterou o horário de trabalho para colocar um maior número de policiais durante a madrugada --horário em que esses ataques quase sempre ocorrem.

As mudanças ocorreram, segundo a corporação, após os desdobramentos das ações de enfrentamento aos ataques a caixas eletrônicos realizados na capital, no início dos anos 2010. Em 2013, o estado registrou quase mil destas ocorrências.

“Os crimes foram migrando para o interior, para cidades pequenas que não estavam acostumadas com crimes com esse tipo de violência. Você não tinha grandes roubos. Você tinha furtos, um roubo ou outro, porém, com essa migração para o interior, houve a necessidade de mexer na estrutura de policiamento”, disse o porta-voz da PM, o tenente-coronel Emerson Massera.

Para a PM, com a implementação dessas unidades no interior (atualmente são 14), houve uma redução de casos.

“Investindo em arma, reorganização e inteligência você percebe que os crimes vão migrando agora do interior para cidades de estados vizinhos, como Rio de Janeiro, Mato Grosso, e parece que teve aumento razoável no Rio Grande do Sul. Hoje, em comparação a 2013, nós temos uma situação teoricamente bem mais confortável”, disse.

Para o delegado Pedro Ivo Correa dos Santos, titular da Delegacia de Roubos a Bancos do Deic (departamento de combate ao crime organizado), nem todos os ataques registrados no estado podem ser atribuídos à sazonalidade, como drogas ou auxílios, porque roubos de grande porte precisam ser planejados.

“Não vejo essa variação por conta de uma coisa específica, porque são crimes que demandam muito tempo”, disse o policial.

“Desde que inventaram banco, rouba-se banco. Desde o Velho Oeste já usavam explosivo. Enquanto tiver dinheiro em papel estocado, vai ter um ladrão tentando roubá-lo. Achar que vamos zerar isso é um pouco difícil, mas os números estão excepcionalmente baixos. Estamos com números menores do que 1969”, afirmou ele.

Ainda de acordo com Santos, atualmente existem entre 100 a 150 criminosos especializados em roubos a banco no estado, que também atuam em outras regiões do país. Em todos os grandes roubos do país, como o de Criciúma (SC), em novembro do ano passado, há participação dessas pessoas. “São Paulo é um exportador de ladrão de bancos”.

O gerente de relações institucionais do Instituto Sou da Paz, Felippe Angeli, disse considerar críveis as duas teses apresentadas no relatório da PM, embora não façam algumas ponderações. Sobre a apreensão de drogas, pode estar ligada a ações de sufocamento financeiro do PCC ­(Primeiro Comando da Capital), que tem participação também da Polícia Federal.

“Esse crime não foi inventado durante a pandemia. Os grandes roubos nem foram neste ano, como as barras de ouro em Cumbica. E essas operações são extremamente complexa, não tem amadores nisso.”

Para Rafael Alcadipani, professor da FGV, das teses apresentadas pela PM para os ataques a banco neste ano, a apreensão recorde de drogas não parece fazer sentido.

“Não existe um aumento do preço das drogas nas bocas de fumo. Acho que é uma elucubração. Me dá a impressão de ser uma vontade da polícia de querer valorizar o trabalho que ela fez, para dizer ‘nossa, apreendemos tanta droga e agora estão explodindo caixas’. Para mim, não cola.”

Já sobre a tese de haver uma maior quantidade de dinheiro em espécie circulando, por conta do auxílio emergencial, Alcadipani diz ser algo que pode realmente estar acontecendo, e que deve ter ligação com os casos recentes de ataques a instituições financeiras.

A Secretaria da Segurança Pública informou que desde 2010 o número de roubo a bancos caiu 87%. No caso dos crimes envolvendo uso de explosivos, ainda segundo a pasta, a diminuição foi de 97%: foram 631 ocorrências, de janeiro a novembro de 2012, contra os 20 casos no mesmo período neste ano.

“Ao longo dos últimos três anos, 145 criminosos envolvidos com essas práticas foram presos no estado de São Paulo. Destes, 43 estão relacionados aos casos mencionados pela reportagem. Entre 2018 e novembro de 2020, 477 fuzis de diferentes calibres foram apreendidos pelas forças de segurança estaduais em poder de criminosos”, diz em nota.

Além dos Baeps, a SSP também cita a implementação de delegacias especializadas no interior. “Ao longo desses 23 meses de governo, cerca de R$ 550 milhões foram aplicados na aquisição de 4.805 novas viaturas, sendo 175 delas blindadas, 105 drones, 1.000 submetralhadoras, 50 mil pistolas semiautomáticas, fuzis de alta precisão, 1.250 armas de incapacitação neuromuscular, 14.500 coletes balísticos, entre outros equipamentos para o sistemas de inteligência policial”, diz em nota.

Procurado, o Ministério Público de São Paulo não informou quantas ações foram movidas nos últimos três anos contra pessoas suspeitas de participação nos ataques ou quais medidas foram adotadas para enfrentar o problema. "Existem diversas investigações no Gaeco [grupo de combate ao crime organizado] sobre esse tipo de crime, todas sigilosas", diz nota da Promotoria.

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