São Paulo tem redução de 100 mil crianças matriculadas em creches na virada do ano

Recuo atípico, segundo funcionários da Educação, ocorre em razão de manobra usada em 2020 para inflar os dados de inscritos

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São Paulo

O número de alunos matriculados em creches municipais de São Paulo teve uma redução de cerca de 100 mil nomes na virada do ano. O movimento atípico, dizem funcionários da Educação, é resultado da manobra da prefeitura que antecipou as inscrições das crianças nos últimos meses de 2020, inflando os dados de matrículas.

A capital fechou o ano com 374.631 crianças inscritas nos CEIs (centros de educação infantil). Segundo dados da demanda escolar de 31 de dezembro, havia ainda 929 matrículas em processo (quando a vaga é oferecida, mas a família ainda não confirmou se vai efetuar a matrícula) e 540 alunos na fila preferencial (quando a família quer uma unidade específica e não aceita vaga em outra).

Já os dados do sistema EOL da Secretaria Municipal da Educação, que têm atualização diária, mostram apenas 274.479 crianças matriculadas em creches em 5 de janeiro —uma queda de 26,7%. Há ainda 9.876 matrículas em processo.

O sistema ainda aponta que há atualmente 383.285 vagas disponíveis em creches de toda a rede municipal. Dessas, 98.930 são remanescentes, ou seja, ainda estão ociosas.

Servidores da secretaria da Educação ouvidos pela Folha, que pediram para não serem identificados, explicam que é comum uma queda no número de matrículas nos primeiros dias do ano, pois é a movimentação natural da rede.

Alunos que estavam no último ciclo das creches, o minigrupo 2, agora passam para as Emeis (escolas municipais de educação infantil), e novas crianças passam a ocupar os primeiros ciclos dos CEIs.

O que chama atenção, segundo eles, é a queda acentuada. Normalmente, essa redução é de entre 10 mil e 15 mil vagas.

Um dos servidores mostrou à reportagem os dados de matrículas em creches no sistema EOL de 2010 a 2019, e não há registro de uma redução tão drástica nas inscrições como neste ano.

Na virada de 2018 para 2019, já na gestão Bruno Covas (PSDB), por exemplo, as matrículas caíram de 334.560 nomes para 319.478 (4,5%). No ano anterior, a queda foi de 310.276 em dezembro de 2017 para 300.616 em janeiro de 2018 --uma redução de 3,1%.

A explicação para a desidratação no montante de matriculados em creches municipais neste início de ano, segundo os servidores, seria a mudança de procedimento usada pela prefeitura para inscrição de alunos no ano passado, como noticiado pela Folha.

Em memorando enviado às DREs (Diretorias Regionais de Educação) no fim de setembro, a Secretaria Municipal da Educação pedia que as crianças que estivessem na fila da creche fossem matriculadas ainda em 2020 para que tivessem os mesmos benefícios dos demais alunos que já faziam parte da rede, como “apoio pedagógico e proteção alimentar”.

A prática foi apelidada de vaga virtual ou vaga X pelos funcionários da educação municipal e diretores de creches, pois, segundo eles, a prefeitura aproveitou que as CEIs estavam fechadas em razão da pandemia e inscreveu as crianças em unidades que só teriam uma vaga física para elas em 2021.

A medida também foi criticada por especialistas, que viram na manobra uma maneira de cumprir a promessa da gestão Doria/Covas em zerar a fila da creche, criando até o fim do ano passado 85 mil novas vagas.

Na ocasião, a prefeitura negou que a mudança de procedimento pudesse causar distorção nos dados, que as vagas eram reais e concretas, e que a ampliação das matrículas não ampliou o repasse às entidades conveniadas.

Em 17 de dezembro, logo após ser reeleito, o prefeito Bruno Covas anunciou que a cidade considerava a fila da creche zerada, após a criação de 91 mil vagas em quatro anos de gestão. Segundo ele, medidas como o transporte escolar para levar crianças a unidades mais distantes, o cadastro do segundo endereço e a construção de 12 CEUs (Centro Educacional Unificado), entre outras, possibilitaram o cumprimento da meta.

A prefeitura também admitiu na ocasião que parte das matrículas efetuadas no ano passado foi em unidades conveniadas que estavam em obras. Segundo o então secretário de Educação, Bruno Caetano, cerca de 20 unidades ainda não estavam prontas, mas ficariam até o início de fevereiro de 2021.

Para Salomão Ximenes, professor de Políticas Públicas da UFABC (Universidade Federal do ABC) e membro do comitê de monitoramento das creches municipais junto ao Tribunal de Justiça, a queda nas matrículas pode ter sido causada pela antecipação das inscrições, mas o número pode ter ficado ainda menor também em razão da pandemia.

“No fim do ano, o número de matrículas foi inflacionado e agora houve uma deflação. Acho que antes de qualquer decisão, a prefeitura precisa fazer uma busca ativa atrás de crianças que estejam fora da creche, inclusive por causa da pandemia, para que essas vagas sejam preenchidas. Não podemos usar esse dado como justificativa para reduzir a oferta de vagas em creches”, diz.

'Não há fila para atendimento em creches', diz prefeitura

A Secretaria Municipal da Educação afirmou, por meio de nota, que não há fila de espera para o atendimento de crianças de 0 a 3 anos na cidade e que as famílias estão sendo atendidas de maneira imediata, o que “parece não ser compreendido pela reportagem, que insiste em creditar negativamente o trabalho de atendimento das famílias”.

Segundo a nota, há um crescimento de solicitações de vaga em creches no início do ano. Em 2020, de acordo com a secretaria, houve aumento de 121% na fila da creche no primeiro trimestre em relação aos três meses anteriores. A nota ainda informa que o objetivo da prefeitura é “atender a todos e manter a fila zerada, já contando com as sazonalidades e com a necessidade das famílias que estão se reorganizando depois do período de pandemia”.

A pasta também destaca que o pagamento das creches conveniadas é feito com base no número de crianças atendidas. Assim, se não houver preenchimento da vaga, a entidade parceira não recebe por ela.

A secretaria não informou os motivos da queda atípica de 100 mil matrículas na virada do ano e se a manobra para antecipar a inscrição de crianças na creche, feita no fim de 2020, teve impacto nos dados.

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