Superintendente do Incra acusado de desrespeitar regras sanitárias morre de Covid-19

Tarso Teixeira chefiava o órgão no RS; associação de servidores o denunciou ao Ministério Público

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Brasília

Denunciado ao Ministério Público do Trabalho e à ouvidoria do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) sob a acusação de desrespeitar as normas sanitárias de prevenção ao novo coronavírus e de colocar a vida de servidores em risco, o presidente da autarquia no Rio Grande do Sul, Tarso Teixeira, morreu na manhã desta segunda-feira (4), vítima da Covid-19.

Tarso, que era uma influente liderança ruralista no estado, tinha 69 anos e estava internado no CTI do Hospital das Clínicas, em Porto Alegre.

O superintendente do Incra-RS, Tarso Teixeira (ao fundo), participa sem máscara de reunião na autarquia, em novembro ( Foto: Reprodução ) - Reprodução

A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, lamentou a morte do servidor em suas redes sociais.

"Ele estava realizando um grande trabalho no instituto para regularização de terras no estado. Meus sentimentos aos familiares, amigos e a todos os colegas de trabalho".

No início de dezembro, a Cnasi (Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra) protocolou representações contra Tarso no Ministério Público do Trabalho e na ouvidoria do órgão acusando o então diretor de desrespeitar as normas sanitárias, não usar máscara e adotar os cuidados devidos no ambiente de trabalho, além de pressionar os servidores a retornarem ao trabalho presencial sem a segurança necessária.

A Folha obteve a íntegra do ofício entregue ao Ministério Público e à ouvidoria.

"Os servidores da Superintendência Regional do Rio Grande do Sul denunciam o descaso da atual direção do Incra/RS com a situação de emergência epidemiológica atual, comportamento este responsável pela ocorrência de surto na sede desta autarquia, uma semana após a determinação de retorno dos servidores ao trabalho presencial em regime normal", diz o documento, que faz menção à portaria do Incra nacional de novembro que determinou o retorno ao trabalho presencial mediante a adoção de precauções para evitar o contágio.

A associação reproduziu então comunicado distribuído por Tarso determinando o retorno à atividade presencial em 17 de novembro, sem nenhuma menção sobre normas de prevenção ao contágio.

Conforme postou em suas próprias redes sociais, Tarso promoveu várias reuniões em novembro sem o distanciamento necessário e sem usar máscara.

"Entre 16/11 e 20/11, como, ademais, tem feito desde março, o superintendente recebeu dezenas de pessoas no gabinete, acompanhado do chefe de gabinete, do chefe da Divisão de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento, entre outros servidores do Incra. Há registros de reuniões em que tanto o superintendente como o chefe de gabinete aparecem sem máscaras; outras, com dezenas de pessoas em sala sem o devido distanciamento mínimo."

Ainda de acordo com o relato, no dia 23 de novembro foi confirmado que o chefe de gabinete de Tarso, Claudio Moacir Severo Moreira, presente nessas reuniões, havia contraído a Covid-19, o que resultou na suspensão imediata, por 14 dias, do atendimento externo, mas não do trabalho presencial.

A associação reproduziu então e-mail de uma servidora questionando a direção do órgão, no dia seguinte: "Ontem fomos informados que o chefe de gabinete testou positivo para Covid-19. Como era fim do meu expediente, resolvi aguardar orientações. Nada, além de um comunicado sobre suspensão do atendimento externo foi informado. Hoje pela manhã, fiquei sabendo que o próprio superintendente e outras chefias ontem mesmo já providenciaram exames e estão em casa. Nada, absolutamente nada, nos foi orientado fazer, estávamos hoje trabalhando normalmente eu e as terceirizadas".

A resposta, ainda de acordo com a acusação formalizada ao Ministério Público, só veio no final do dia, assinada por Tarso Teixeira, orientando a todos que tivessem tido contato com o servidor contaminado ou com um segundo com suspeita de contaminação (cujo nome não é informado no comunicado) que deveriam voltar ao regime de teletrabalho pelo período de 14 dias.

Só no dia seguinte, o nome do segundo servidor infectado foi informado: Jeferson Figueiró Araujo, chefe da Divisão de Ordenamento da Estrutura Fundiária.

"Por tudo o que foi relato, denunciamos os senhores Tarso Francisco Pires Teixeira, Claudio Moacir Severo Moreira e Jocelito Zanatta por descaso com a questão de saúde pública vivida neste momento de pandemia, em comportamento reiterado de não observação das próprias normativas do Incra, como já referido, colocando em risco servidores e público externo, e provocando o surto de Covid-19 na autarquia", conclui o texto apresentado pela associação de servidores.

Em nota, o Incra afirmou que "Tarso Teixeira compareceu ao trabalho por vontade própria, embora a portaria do Incra o autorizasse a permanecer em home office", em decorrência da idade.

"Desde o início da pandemia, em março do ano passado, o Incra vem seguindo as orientações dos normativos publicados pelo Ministério da Saúde; Ministério da Economia e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), órgão superior ao qual a autarquia é vinculada, visando garantir a segurança de seus servidores, gestores e colaboradores no trabalho", afirmou o órgão.

Além de permitir o teletrabalho a pessoas acima de 60 anos e com comorbidades, entre outras, o Incra disse que a portaria que determinou o retorno à atividade presencial "descreve, de forma clara e detalhada, as medidas preventivas adotadas pela direção do instituto para minimizar os riscos de contágio pelo coronavírus entre os servidores" e cita, entre outras, a limpeza e desinfecção das áreas de trabalho e o uso obrigatório de máscaras dentro da instituição.

O Incra diz que as medidas são válidas para a sede e todas as superintendências regionais, mas não se manifestou sobre as fotos em que o então superintendente do Rio Grande do Sul e pelo menos um auxiliar aparecem em reuniões internas sem máscara.

Tarso também era diretor vice-presidente da Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul). Ele deixa mulher e três filhos.

A morte do superintendente soma-se a outras ocorridas no Incra e que, segundo a associação, têm relação com a volta do trabalho presencial sem a observância das devidas precauções.

Desde o início da pandemia já foram contabilizados ao menos 13 óbitos por conta da Covid-19, segundo a associação.

“Não existe tratamento e nem vacina sendo aplicada no Brasil e os servidores estão sendo obrigados a trabalhar presencialmente. São cerca de 3.000 servidores no Incra, muitos fazem parte do grupo de risco”, disse Reginaldo Marcos Aguiar, diretor da Cnasi.

O Incra disse que "do total de servidores falecidos no ano passado informado pela Cnasi à reportagem, seis eram aposentados, seis trabalhavam remotamente e somente um servidor trabalhava presencialmente."

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