Moradores de rua acusam prefeitura de fazer jardins para tirá-los de praça na zona leste de SP

Estrutura elevada impede a montagem de barracas; prefeitura diz que está revitalizando local

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São Paulo

O chão de terra batida do canteiro de parte da praça Barão de Tietê, no Belenzinho, zona leste da capital paulista, tem dado lugar a jardins elevados, cerca de 50 centímetros mais altos que o nível da calçada, bem em frente ao pátio de obras da subprefeitura da Mooca.

A intervenção paisagística, no entanto, é apontada por moradores de rua que ocupam o local como uma obra para expulsá-los de lá. Iniciada em janeiro deste ano, a construção dos canteiros elevados impede que eles durmam e deixem seus pertences por ali.

“A minha barraca ficava encostada no muro do terreno da subprefeitura. Aí eles começaram a fazer o jardim lá e fui andando para o lado. Agora só sobrou esse pedaço na esquina, que eu derrubei o canteiro que os funcionários começaram a construir. Eles querem me tirar daqui a todo custo”, diz o catador de recicláveis Uelbert de Souza da Silva, 28, conhecido como Bahia, em referência ao seu estado natal.

Ele conta que mora na praça há mais de três anos e já teve de mudar sua barraca outras três vezes em razão de intervenções da subprefeitura na área. “Mas antes sempre teve um canto para ficar. Agora, não tem opção”, diz.

Obra na praça Barão de Tietê, no Belenzinho (zona leste de SP), está elevando os canteiros. Moradores de rua acusam prefeitura de fazer intervenção para tirá-los de lá. - Eduardo Anizelli/Folhapress

A obra já elevou três canteiros, que já foram preenchidos com montes de terra. O primeiro, encostado ao pátio de obras da subprefeitura, já recebeu plantas e era regado por funcionário da subprefeitura na manhã desta terça-feira (9), quando a Folha esteve no local.

O quarto canteiro, na esquina com a rua Sapucaia, começou a ser erguido na última semana, mas Uelbert retirou as pedras usadas que foram assentadas como tijolos para formar o jardim.

Os paralelepípedos ficaram espalhados pelo local e se assemelham muito aos colocados sob o viaduto Antônio de Paiva Monteiro, junto à avenida Salim Farah Maluf, no Tatuapé (zona leste), também área da Subprefeitura da Mooca.

Na semana passada, a Folha revelou que a prefeitura havia instalado pedras sob esse viaduto e o que fica ao lado, o Dom Luciano Mendes de Almeida, a fim de afastar moradores de rua que dormiam no local. A gestão Bruno Covas (PSDB) informou que não tinha conhecimento da obra e que a ação foi uma atitude isolada de um servidor que acabou exonerado do cargo.

Após a publicação da reportagem, a prefeitura providenciou a retirada das pedras sob os dois viadutos e afirmou ter aberto uma sindicância para apurar os fatos. Até o momento, a administração municipal não informou o valor gasto para a colocação e a remoção dos obstáculos.

O padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, afirma que semana passada precisou ir à praça para conter um princípio de confronto entre moradores da praça e os funcionários da subprefeitura que realizavam a obra.

“Não há qualquer razão para a construção desses canteiros que não seja a retirada dessas pessoas daqui. Eles insistem nessa prática. É com pedra em viaduto, é impedindo que eles montem suas barracas, é só exclusão”, desabafa.

O padre, que realizou um ato simbólico de retirar as pedras sob o viaduto no Tatuapé com uma marreta, afirma que a região tem sofrido forte pressão —em razão da especulação imobiliária e da construção de empreendimentos de alto padrão— para a redução dessa população pelas vias do bairro.

A capital tem 24.344 moradores de rua, segundo censo feito pela prefeitura em 2019. A região da Subprefeitura da Mooca concentrava 835 pessoas em situação de rua, ficando atrás apenas da Subprefeitura Sé (7.593).

A obra de uma quadra poliesportiva que seria feita sob o viaduto Antônio de Paiva Monteiro foi suspensa.

A contratação da empresa Laforma Comércio e Serviços Ltda para realizar a obra —orçada em R$ 196.304,41— foi publicada no Diário Oficial da Cidade, em 10 de dezembro de 2020. O prazo do contrato era de 60 dias corridos.

Segundo nota enviada à Folha, a Subprefeitura da Mooca explica que não foi dada ordem de serviço para a obra “tendo em vista a proximidade do término do exercício de 2020”. Assim, “o contrato encontra-se suspenso por até 120 dias, ou até que exista viabilidade financeira dentro do exercício de 2021”.

A subprefeitura ainda destaca que, no momento da vistoria realizada no local, na fase de licitação, não existiam pedras sob o viaduto.

Pedras sob o viaduto Antônio de Paiva Monteiro, no Tatuapé (zona leste de SP); local deveria receber quadra poliesportiva, mas obra está suspensa - Zanone Fraissat/Folhapress

OUTRO LADO

Em nota enviada à Folha, a Prefeitura de São Paulo afirmou que está revitalizando a praça Barão de Tietê por meio da Subprefeitura Mooca.

"O projeto de revitalização, que teve início em outubro do ano passado, prevê a reforma e pintura de canteiros existentes na praça, além da construção de um novo canteiro na esquina da rua Sapucaia e o plantio no local, que receberá, por exemplo, 5 mil unidades da espécie Grama Amendoim", diz trecho da nota. "A área também está recebendo a construção da UPA Mooca."

"A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), por meio do Serviço Especializado de Abordagem Social (SEAS), realiza busca ativa para abordar pessoas em situação de rua e oferece acolhimento nos equipamentos da rede socioassistencial. Importante ressaltar que o aceite é voluntário", afirmou ainda.

"A equipe do SEAS Mooca monitora diariamente o perímetro da Praça Barão do Tietê e nesta terça-feira (9) atendeu 15 pessoas em situação de rua, sendo sete encaminhamentos para Centros de Acolhida do território e oito recusas."

Já a Secretaria Municipal de Segurança Urbana, por intermédio da Guarda Civil Metropolitana, afirmou desconhecer "qualquer ameaça realizada por parte de seus integrantes em relação aos moradores de rua".

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