“Se tem uma câmera, mona, eu quero é aparecer”, dizia Maravilhosa, a travesti mais conhecida de Rondônia nos últimos anos.
Maravilhosa, como gostava de ser chamada, ganhou os holofotes em 2019 quando usou uma calçada como passarela e desfilou diante de uma câmera que gravava uma reportagem numa rua de Porto Velho.
A travesti flanou pela calçada sem economizar no carão e em poses como se fosse uma modelo. Nascia ali a Gisele Bündchen de Rondônia.
Narah Braga, a repórter que tentava terminar a reportagem naquele dia sobre o uso de aplicativos de transporte, sofria debaixo de um sol a pino, mas nem por isso interrompeu o close de Maravilhosa.
“Eu dei uma risadinha e só pedi para que o meu cinegrafista não parasse de gravar aquela cena”, disse.
No dia seguinte, Braga publicou o desfile da travesti em suas redes sociais. E claro: Maravilhosa foi alçada à celebridade instantânea na internet.
A travesti concedeu entrevistas para programas de alcance nacional, ganhou um dia inteiro num salão de beleza, roupas e muitos fãs.
Mas a fama repentina pouco aliviou a vida difícil que enfrentava pelas ruas da capital de Rondônia. As calçadas por onde desfilava durante o dia eram as mesmas em que dormia sobre um papelão.
Filha de um pai alcoólatra, viu a mãe fugir de casa para escapar das agressões do marido. Com a família desestruturada e vítima de transfobia, a travesti virou sem-teto ainda na adolescência.
Mal sabia ler e escrever, mas fez da rua sua grande escola. Era benquista pelos comerciantes e moradores da avenida Jorge Teixeira, onde foi descoberta. Ali pedia dinheiro e as tintas de tons avermelhados que pintava o cabelo.
Nos últimos meses, porém, Maravilhosa foi vista na rua em péssimas condições de saúde e acabou internada no Cemetron (Centro de Medicina Tropical de Rondônia), onde foi diagnosticada com tuberculose e pneumonia.
Durante o período em que ficou internada também apresentou sintomas da Covid-19. Maravilhosa entrou para as estatísticas que pesam contra as travestis no Brasil: não passou dos 35 anos e morreu aos 23, na última quinta-feira (4).
A travesti que usava o sorriso largo como artifício contra as intempéries que a vida manda cumpriu outra frase que carregava: “o que é bonito tem que ser mostrado”.
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