Em meio à pandemia, moradores de Perus tentam se recuperar de enchentes

Associação estima que 150 famílias tenham sido afetadas por chuvas de fevereiro

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Ira Romão Jéssica Moreira
São Paulo | Agência Mural

Quem passa pela rua Antônio de Pádua Dias, em Perus, região noroeste de São Paulo, ainda visualiza os vestígios deixados pela chuva no início de fevereiro, como o asfalto cedendo. Na altura do número 600, a raiz de uma árvore de aproximadamente 8m de altura cedeu e caiu sobre o telhado do ajudante geral André Duarte, 34, que estava no trabalho quando recebeu o telefonema da mãe em 10 de fevereiro.

Não havia transporte, e ele e precisou caminhar pelo menos 10 km para chegar em casa. Ele conta que começou a ligar para a Defesa Civil às 17h, mas os funcionários só chegaram por volta da meia-noite. Às 2h30, fizeram a poda e corte da parte maior da árvore, mas apenas às 16h do dia seguinte retiraram o restante.

“Se não fosse minha prima, que é vizinha, para me dar uma peça de roupa e algo para comer eu iria ficar ali até eles chegarem. A prefeitura não me deu assistência nenhuma”, conta.

André questionou os funcionários sobre como receber auxílio, mas a única coisa que disseram é que ele poderia ter direito a um albergue e cesta básica. Sobre um possível auxílio-aluguel, ouviu dos funcionários da Defesa Civil que se quisesse qualquer benefício teria que “correr atrás de seus direitos”.

“Abrir um processo contra a prefeitura, pegar os protocolos de registro de pedido de corte da árvore. Não consegui fazer nada disso”, diz. “Se o processo não for aceito, ficarei com uma mão na frente e outra atrás, sem residência, sem assistência, e vou ter que tirar do bolso que eu não tenho.”

A casa foi interditada por perda total. A família criou uma vaquinha online e uma rifa para angariar fundos e ajudar na demolição e reconstrução.

Formado por comerciantes e lideranças comunitárias espalhadas pelo bairro, o grupo “Unidos por Perus” cadastrou 150 famílias que foram afetadas pelas enchentes e ainda precisam de apoio. Criado no começo da pandemia de Covid-19, o grupo apoia com doações de alimentos, produtos de higiene e roupas, além de dar orientação em casos de perda de documentos e sobre como conseguir medicamentos.

“Cada coletivo e munícipe sozinho não teria forças para cuidar do pessoal na pandemia, dar subsídios como máscara, gel, alimentação e orientação”, diz Índia Mariano, uma das lideranças que também teve a casa inundada em fevereiro.

No caso da enchente, a ação se tornou fundamental, em especial depois do dia 10 de fevereiro, quando o CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas) da Prefeitura de São Paulo chegou a prever rajadas de ventos de até 71km/h.

Moradores disseram que a assistência social e a Defesa Civil estiveram no local, a pedido das lideranças comunitárias, na noite do dia 10 e na manhã seguinte, distribuindo cestas de alimentação e de itens de limpeza, além de colchões. Mas depois, não voltaram mais.

“Muitos perderam receitas e até o cartão do SUS [Sistema Único de Saúde]. Alguns tinham passado no posto à tarde [antes da enchente] e retirado seus remédios e fraldas geriátricas”, completa Índia.

Naquele dia, o pedreiro André de Azevedo, 30, estava apreensivo. “Fiquei o dia inteiro molhado [da chuva] olhando o rio. Se ele enchesse, pegaríamos as crianças e sairíamos daqui. Largava tudo. É o jeito. Depois, viria ver o que tinha sobrado”, diz.

André conta que as filhas, com idades de seis e dois anos, temem outra enchente. “Agora há pouco estávamos dentro de casa e a caçula falou ‘olha, pai, o tempo como tá ali’. Ontem, inclusive, caiu outro pé d’água e ficamos com medo."

O temor delas é o mesmo com que ele convive desde que vive na região da Vila Inácio, próximo ao Córrego Laranjeiras. “Quando entra água, é bastante. Veja a marca, quase um metro de água”, diz.

Na última inundação, de imediato a família do pedreiro teve que jogar fora o colchão e o fogão. “Acabou com o fundo do guarda-roupa. Esse armário [da cozinha] está com os pés caindo. Entrou água até a parte de cima das gavetas. Jogamos fora panelas. Não vamos confiar naquela água imunda, puro barro.”

Muitos dos móveis atingidos eram novos e comprados depois das enchentes em 2018. No mesmo quintal, à direita, está a casa do também pedreiro Ilson de Azevedo, 58, pai de André. No endereço há 35 anos, já perdeu as contas de quantas vezes teve que tirar água e barro de dentro de casa.

Apesar da dura realidade, Ilson e seus familiares não pensam em mudar do local, que pertenceu ao falecido sogro. “Às vezes, o pessoal pensa que aqui é invasão. Nunca foi. Minha cunhada tem toda a documentação”, pontua. “É sacrifício, mas não tem o que fazer. Pagar aluguel é pior. Aqui é nosso”, acrescenta André.

A mesma chuva arrancou os telhados do designer de moda Willian André, 24, no Recanto dos Humildes. Desde então, ele tem recebido o apoio de vizinhos, amigos e parceiros de movimentos sociais para a reconstrução do espaço. As doações chegaram a mais de R$ 8.000. Quando a chuva começou, avistou telhados sendo puxados pela tempestade.

“Quando cheguei, a primeira coisa que perguntei foi da minha vó. Um monte de gente na rua, achei que alguém tinha morrido”, lembra. “O máximo que consegui fazer foi organizar as coisas que sobraram para que a água não destruísse mais nada, porque continuou chovendo nos outros dias."

Criador do projeto Afroperifa, William é conhecido na cena cultural paulistana por fomentar o empoderamento negro e periférico por meio de desfiles de moda e afroempreendedorismo. Ele também teve prejuízos na loja, afetando máquinas e aparelhos eletrônicos. Willian pretende reorganizar o espaço com o dinheiro da vaquinha e lançar uma coleção que discuta a questão ambiental na periferia.


Além da ajuda financeira, os vizinhos também colaboraram tirando entulhos e pintando os cômodos. “O que mais fiquei feliz foi essa questão da união. Do nós por nós.”

Pesquisador do LabCidade, Pedro Mendonça aponta falta de investimentos no combate às enchentes nos últimos anos e a cidade conta com projetos atrasados. “Existem estratégias difusas, como implantação de pequenos parques alagáveis nas várzeas de afluentes, instalação de canteiros de chuva, aumento da permeabilidade nas áreas mais altas da cidade para diminuir a velocidade de vazão da água”, afirma.

A assessoria de imprensa da subprefeitura de Perus informou à Agência Mural que suas equipes junto à Defesa Civil, à Limpeza Urbana e ao CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) trabalharam nas ocorrências causadas pelas chuvas de fevereiro.

No caso das chuvas do dia 10, agentes da subprefeitura atuaram na desobstrução de bocas de lobo, retirada de grandes objetos, raspagem, lavagem das vias e retirada das árvores. Sobre o Córrego Laranjeiras, a prefeitura informa que o serviço de limpeza e zeladoria é realizado a cada 15 dias, em média. Foi informado também que entre janeiro de 2020 e janeiro de 2021 foram retiradas 35.901 toneladas de detritos em piscinões da zona norte.

A subprefeitura também diz que a Amlurb (Autoridade Municipal de Limpeza Urbana) está monitorando 1.269 pontos para melhorar o escoamento da água e que houve intensificação da limpeza de 8.000 bueiros e bocas de lobo.

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