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Prédios têm brigas e queixas sobre festas após novo fechamento de áreas comuns

Restrição de uso dos espaços de lazer nos condomínios tem sido desrespeitada em nova piora da pandemia

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São Paulo

Há pouco mais de um mês, a síndica profissional Karina Nappi tem dado um cochilo aos sábados à tarde para encarar a maratona de trabalho noturno. Quando o relógio bate 22h, ela já começa a ser acionada pelos funcionários dos 15 condomínios que gerencia com queixas de barulho ocasionado por festas nos apartamentos, muitas que só findam com o dia claro.

“Eu peço para abaixar o som uma vez. Se o pedido não é atendido, tentamos novamente. Se o morador não está disposto a respeitar as normas de convivência, temos que multá-lo. Entendo que está todo mundo cansado da quarentena, mas não dá para infernizar a vizinhança”, diz Nappi.

A síndica tem aplicado cerca de 15 multas por barulho após o horário permitido (22h) aos fins de semana. "No último sábado multei uma unidade de um condomínio em Moema por uma festa com 15 pessoas em um apartamento de 70 metros quadrados que só acabou às 7h do domingo. Os moradores, que são médicos, ainda riram e disseram que, se ratear a multa entre todos, sai mais barato que a conta da balada”, conta.

“Isso quando um morador não vai tirar satisfações no apartamento de onde vem o barulho e todo mundo fica exaltado, alguns estão até embriagados, e aí acaba em briga mesmo”, completa.

Assim como Nappi, muitos síndicos têm enfrentado resistência por parte dos moradores para o cumprimento de protocolos sanitários e fechamento das áreas comuns dos condomínios em razão do agravamento da pandemia de Covid-19.

“O condomínio é um reflexo do momento da sociedade. As pessoas estão tão estressadas e insatisfeitas, que os conflitos entre vizinhos também têm aumentado. Em alguns casos, há necessidade até de intervenção policial”, conta Rodrigo Karpat, advogado especialista em direito condominial.

O advogado Gilberto Minzoni Junior, que atende condomínios na região de Alphaville, na Grande SP, diz que já está recorrendo à polícia e até à imprensa para pôr fim às festas em residências de condomínios na região.

“Eu acredito sempre na conciliação, mas as pessoas estão passando dos limites. O pessoal chega a contratar DJ para essas festas que aglomeram pessoas e vão até de madrugada. E parece que as multas não bastam.”

Há algumas semanas, o advogado também foi chamado para acompanhar à delegacia duas vizinhas que chegaram “às vias de fato” após discussão por falta e uso de máscara na academia do condomínio.

“Uma jovem, que é influencer, gravava um vídeo na academia e não usava máscara. Uma moradora chegou e pediu que ela colocasse a máscara. A jovem não quis colocar e as duas acabaram partindo para a agressão. Aí chamaram a PM e até boletim de ocorrência foi feito. Tudo por descumprimento dos protocolos sanitários”

Na última segunda-feira (8), a médica Eliane Gomes Amorim, 49, também discutiu com um vizinho que se recusou a usar máscara na academia do prédio em que mora, no Morumbi, na zona oeste da capital paulista. O espaço pode ser utilizado por duas pessoas a cada hora, sempre com uso da proteção.

“Estava na academia e ele chegou sem máscara. Pedi que colocasse, mas ele começou a gritar e dizer que ninguém o obrigaria a usar máscara. Chamei o síndico e ele ficou mais irritado ainda. Uma coisa absurda”, disse.

Eliane fez uma queixa formal contra o vizinho no livro de ocorrências e na administradora do condomínio. “Ele virou um foco de contaminação no prédio. Anda sem máscara e coloca a perder todos os cuidados que os moradores e a administração têm tomado”, critica.

Além da falta de uso de máscara, uma queixa recorrente nas academias de condomínios é o desrespeito ao agendamento para uso do espaço, dizem síndicos. Alguns moradores querem treinar sem reservar na agenda ou ainda reservam e não vão, esquecendo de desmarcar o horário.

A aglomeração nas áreas comuns, muitas vezes interditadas, também tem motivado discussões acaloradas nos condomínios.

Síndica de um condomínio estilo clube, com 11 mil metros quadrados e 248 unidades distribuídas em três torres, no bairro de Lauzane Paulista, na zona norte de SP, Elizete Mendes, 51, precisou retirar um grupo de 15 jovens da piscina coberta, que estava interditada em razão da fase vermelha.

“Como o governo regulamentou o funcionamento de várias atividades, mas não bateu o martelo no caso dos condomínios, os moradores não concordam com os fechamentos”, diz.

A escritora Ivy Farias, 39, também relata que muitos vizinhos não têm respeitado as restrições no condomínio em que mora, na Vila Leopoldina (zona oeste de SP). “Minha sacada dá para o espaço gourmet, em que estavam liberadas reuniões com até dez pessoas. Já cheguei a contar 30 pessoas no local. Sem falar no som alto que incomoda muito.”

Depois de ver moradores desrespeitarem a interdição das áreas de lazer no primeiro pico da pandemia, o síndico Cristiano Silva, 42, que administra um condomínio com 400 unidades na Vila Ema, zona leste de SP, tomou atitude radical para garantir o respeito às restrições recentes: fechou o acesso aos espaços com tapumes.

“Também recolhi os bancos que ficavam espalhados pela área comum porque os adolescentes se aglomeravam ali. Todo mundo reclamou, mas tenho que garantir a saúde de quem mora aqui.”

Ele diz ainda que, mesmo após um ano de pandemia, alguns moradores insistem em circular pelo prédio sem máscara, o que resulta em multa de uma cota condominial. “As pessoas usam máscara na farmácia, no mercado e, quando entram no prédio, acham que não precisam mais”, reclama.

Segundo Angélica Arbex, gerente de relações com o cliente e de marketing da Lello Condomínios, o que era para ser só moradia “tornou-se também escritório, escola, academia, espaço para festas e ver shows. E tudo isso muda a lógica dentro dos condomínios”.

“As dificuldades que um prefeito, um governador, estão enfrentando para colocar os protocolos sanitários em vigor são as mesmas dos síndicos. Por isso é muito importante trabalhar a conscientização e na comunicação com os moradores para que as regras sejam respeitadas.”

“Existem exceções e, para essas pessoas, há a conciliação e, em último caso, a autuação. Mas temos de levar em conta que é um conjunto de pessoas que não se escolheram, que estão compartilhando o espaço mais privado que existe", diz.

A Vigilância Sanitária até pode entrar nos condomínios para fiscalizar e fazer autuações, mas isso acaba acontecendo mediante denúncia, segundo Arbex.

O advogado Rodrigo Karpat orienta que ao menos alguns espaços da área comum fiquem abertos, respeitando os protocolos sanitários. “Fechar tudo só vai acirrar ainda mais os ânimos e criar mais conflitos. Pois quem respeita vai brigar quando outros desrespeitarem. Vale tentar encontrar um equilíbrio.”

Vendo que os vizinhos estavam muito estressados em passar tanto tempo em casa, a síndica Nubia Maria Ferreira, 56, resolveu montar uma tenda com duas mesas junto ao jardim do condomínio que administra na Vila Mariana, na zona sul.

“O objetivo é que os moradores pudessem trabalhar em outro lugar que não a própria casa. O pessoal gostou e tem gente que desce todo dia para ficar um pouco lá. É o que foi possível fazer para tentar melhorar um pouco a vida das pessoas”, diz.

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