Descrição de chapéu Obituário Roberto Juste Bargiela (1936 - 2021)

Mortes: Trocou uma Espanha devastada por Santos, e foi estrangeiro dos dois lados do Atlântico

Roberto Juste Bargiela alfabetizou-se sozinho, aprendeu a dirigir e teve várias profissões, sem nunca tirar férias

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Raul Juste Lores
São Paulo

Sem saber ler ou escrever, o espanhol Roberto desembarcou no porto de Santos aos 18 anos de idade, em 1954. Os parentes distantes que o iriam recolher nunca apareceram, e o jovem da Galícia dormiu entre armazéns, no chão do cais, nas três primeiras noites no Brasil (fazia calor, pelo menos).

Camponês, nascido na montanhosa Salceda de Caselas, província de Pontevedra, foi convocado a trabalhar na roça aos cinco anos de idade. Com uma relação dura com seus pais-patrões, fugiu algumas vezes de casa. Mas chegou a um acordo com eles: aos 18 anos, teriam que pagar a passagem de navio que o tiraria do país ainda devastado pela Guerra Civil.

Deixou para trás as cinco irmãs —outro irmão já tinha morrido, também ao escapar dos maus-tratos, congelado na neve enquanto dormia ao relento.

Roberto Juste Bargiela (1936-2021)
Roberto Juste Bargiela (1936-2021) - Instagram de Raul Juste Lores

Nas docas santistas, desmaiando de fome, foi resgatado por uma família galega que tinha uma pensão na zona portuária e ali teve seus primeiros empregos, como cortador de batatas, cozinheiro, garçom e faxineiro.

Alfabetizou-se sozinho, aprendeu a dirigir, virou mecânico, motorista de ônibus, e de caminhão, além de atacar como pedreiro e carpinteiro. Nunca tirou um dia de férias.

Com cabelos cor de fogo, olhos verdes e uma pele naturalmente avermelhada (pense em um viking com bronzeado permanente), era popular na comunidade espanhola da Baixada Santista, onde sempre cantou ou tocou sua gaita de fole.

Além do Centro Espanhol de Santos, frequentava o Jabaquara, time da segunda divisão fundado por jornaleiros espanhóis há mais de um século (a versão litorânea do Corinthians).

Foi nessa comunidade, onde poucos aprenderam a falar bem o português, que conheceu a mulher, Dolores, galega como ele. Mas só propôs casamento quando já estava assentado e com casa própria.

Nas duas últimas décadas, nessas peças que a nostalgia prega, quis voltar a ser camponês no interior da Galícia.

Ainda assim, sentia-se estrangeiro nos dois lados do Atlântico, e nunca conseguiu exorcizar os demônios de sua criação.

Briguento e muito turrão até para os padrões espanhóis, tinha dificuldade em expressar sentimentos ou mesmo fraquezas.

Retardou ao máximo uma obrigatória visita ao hospital. Morreu aos 85 anos, em Santos, após um infarto fulminante. Deixa a viúva, dois filhos e um neto, e mais de quarenta sobrinhos.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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