'Ele saiu para comprar pão', diz mulher cujo marido foi morto no Jacarezinho

Segundo ela, moradores viram policiais atirando em Jonas do Carmo do Santos; outra viúva conta que companheiro levou facadas, inclusive no rosto

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Igor Soares Júlia Barbon
Rio de Janeiro

A mulher de um dos 25 mortos nesta quinta-feira (6) na operação mais letal do Rio de Janeiro, na comunidade do Jacarezinho, na zona norte carioca, afirma que seu marido havia saído para comprar pão quando foi baleado e, depois, morto.

A esposa de Jorge Jonas do Carmo do Santos, 31, que pediu para não ser identificada por medo de represálias, estava no IML (Instituto Médico Legal) na manhã desta sexta (7) para identificar o corpo. Segundo ela, moradores viram ele sendo alvejado.

“Ele saiu para comprar pão. Os vizinhos viram ele no beco com um tiro na perna e gritando ‘ai, ai’, quando os policiais chegaram perto e atiraram nele outra vez”, disse ela à Folha.

Morador do Jacarezinho, Jorge Jonas era pai de uma criança de 7 anos e de um bebê de um mês. Sua mulher diz que ele cumpria pena, sem especificar por que, e estava respondendo em liberdade —por isso usava uma tornozeleira eletrônica, que afirma ter sumido quando viu o corpo no hospital.

Ele ficou preso por três anos e, atualmente, trabalhava como assistente de pedreiro, cumprindo a obrigação de ir à Justiça todo mês. Ele não está entre os 21 suspeitos que constam na investigação e na denúncia que motivaram a operação.

“Meu marido estava consertando a casa em que nós morávamos para podermos alugar”, conta a mulher, que ressalta que Jonas era querido na favela: “Todo mundo gostava do meu marido. Ele era um bom pai, uma pessoa maravilhosa”. Próximo ao Dia das Mães, ela diz que será uma data triste. “Eu estava agradecendo a Deus pela família que o Senhor me deu."

Moradores dizem que pode haver mais do que as 24 mortes de civis contabilizadas oficialmente. Os corpos só terminaram de chegar ao IML na tarde desta sexta. A Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) divulgou uma lista com 16 nomes, com idades de 18 a 43 anos.

Questionada sobre as identidades, a Polícia Civil afirmou apenas que o laudo da inteligência “indica que os 18 primeiros mortos identificados tinham antecedentes criminais. A ficha e as identificações de cada um serão apresentadas após exames de perícia e necropsia”.


Mortos identificados até o momento, segundo Comissão de Direitos Humanos da OAB:

  1. Carlos Avelino da Costa Júnior, 43 anos
  2. Cleiton da Silva de Freitas Lima, 27 anos
  3. Francisco Fabio Dias Araujo Chaves, 25 anos
  4. Isaac Pinheiro de Oliveira, 22 anos
  5. Jhonatan araujo da silva, 18 anos
  6. John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30 anos
  7. Jorge Jonas do Carmo, 31 anos
  8. Marcio da Silva, 43 anos
  9. Marcio Manoel da Silva, 41 anos
  10. Mauricio Ferreira da Silva, 27 anos
  11. Natan Oliveira de Almeida, 21 anos
  12. Raul Barreto de Araujo, 19 anos
  13. Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23 anos
  14. Romulo Oliveira Lucio, 20 anos
  15. Toni da Conceição, 30 anos
  16. Wagner Luis de Magalhaes Fagundes, 38 anos​

Entre as outras famílias que aguardavam a liberação estava Taynara Paes, 22, mulher de Rômulo Oliveira Lucio, 29. Ela afirmou que o marido estava em uma casa com ela quando a polícia chegou, e que ele não reagiu e foi morto a facadas.

“Ele estava em casa comigo, a moradora abriu a porta, ele se rendeu. A polícia entrou, pegou ele e rodou com ele no morro. Ele foi estraçalhado a facadas, com faca na cara. Se é operação, eles tinham que levar ele preso. Ninguém merecia isso", disse ela.

Rômulo era um dos três que tinham mandado de prisão expedido pela Justiça e foram mortos na operação. A Polícia Civil afirmou que a perícia no corpo de Rômulo não identificou marcas de facadas.

Taynara contou que Rômulo também ia ao fórum todo mês porque cumpria pena. "Moro no Jacaré há quatro anos. Eles nunca vêm para prender. Eles mataram mais de 25 pessoas", criticou. ​

Taynara, de máscara e camisa de manga comprida brancas segura papel com foto do marido. Ela tem cabelos castanhos longos e enrolados e está chorando
Taynara Paes, viúva de Rômulo Oliveira Lucio - Igor Soares/Folhapress

Rômulo é alvo da denúncia do Ministério Público como "soldado" do tráfico e aparece armado em fotos publicadas nas redes sociais em outubro e novembro de 2020. A denúncia que motivou os mandados de prisão a serem cumpridos na operação não menciona homicídios, aliciamento de menores e sequestros de trens, conforme divulgado pela polícia.

Abalada, a mãe de Marlon Santana, 23, outro jovem morto, também afirmou que o filho havia se rendido: “Nenhuma mãe cria filho para ser bandido. Quando meu filho foi se entregar, eles mataram ele no Beco do Caboclo. Isso não foi operação, foi assassinato. Operação não é assim. Podiam ter levado preso.”

A mulher, que não quis se identificar, diz ter ouvido dos policiais que o número de mortos ainda era pouco. “Ia ter mais mãe chorando ainda. Tinha quatro coagidos, eu fiquei esperando no beco o meu filho sair e ele não saiu. Essas mães todas chorando aqui... vai ficar impune?”, questionou. “Tiraram um pedaço da gente. O Dia das Mães acabou.”

A Polícia Civil negou, em entrevista coletiva nesta quinta, que tenha havido execuções e disse que a operação aconteceu dentro da legalidade, mas não esclareceu a dinâmica das mortes. A Defensoria Pública e a Comissão de Direitos Humanos da OAB dizem que locais onde as mortes ocorreram foram desfeitos antes da realização da perícia.

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