Meados dos anos 1970, no domingo haveria um Fla-Flu decisivo e a revista semanal de futebol Placar preparava a capa para anunciar o jogo.
Comandada pelo carioca da Gamboa Milton Coelho da Graça, a redação inteira repudiou a manchete proposta por ele: “Quem tem, (um coração dividido entre as cores dos dois clubes) tem medo”.
Imediatamente pegou o telefone e ligou para a mulher, não sem antes classificar seus subordinados ou, no caso, insubordinados, como “suíços”: “Ledinha, quero fazer uma capa com coração tricolor e rubro-negro e a chamada ‘Quem tem, tem medo’, o que você acha?”. Segundos depois, explodiu: “Ah, Ledinha, você estudou no Colégio Sion”.
E mandou fazer a capa exatamente como queria.
Extrovertido, ferino, capaz de solidariedade extrema, brigar com ele era péssimo negócio. Se aceitasse a briga, pobre do oponente. Se não aceitasse, infernizaria a vida do desafiante até que este gargalhasse e o desculpasse.
Preso por nove meses e torturado a ponto de perder todos os dentes, em 1964, quando dirigia a Última Hora, de Samuel Wainer, em defesa do governador Miguel Arraes, voltou a cumprir pena durante seis meses em São Paulo, em 1976, quando, já diretor de revistas da Editora Abril, fazia e distribuía o jornal mimeografado “Notícias Censuradas”.
Então, enquanto cumpria pena, convencia seus algozes de que precisava ir ao Hospital das Clínicas e levava os carcereiros ao tradicional restaurante Presidente, no Brás, onde com eles dividia bacalhoadas e as encomendava para levar aos demais presos, com a promessa de pagar quando voltasse à vida de freguês tradicional.
Membro do Partido Comunista Brasileiro, dirigiu também as revistas Intervalo e Realidade, criou títulos para a Rio Gráfica Editora, do Grupo Globo, e foi redator-chefe do jornal O Globo, além de diretor de Istoé e correspondente da Gazeta Mercantil, em Nova York.
Formado em Direito e Economia pela Universidade Federal do Rio, contava que a sinuca o sustentou nos tempos de estudante e permitiu que fosse capaz de escrever sobre qualquer tema.
Milton Coelho, morreu de Covid-19, deixa viúva Leda Ebert, três filhos Djamila, Flávio e Guilherme e cinco netos: Moya, André, Isabel, Clara e Pedro Ivo.
Deixa, também, órfã, uma geração de jornalistas formada por ele.
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