Até domingo (23), quando pensava no futuro, o jornalista Miguel Daré, 51, imaginava envelhecer ao lado do irmão mais velho, Gessner Augusto Daré Júnior, 55.
Os dois viviam juntos o tempo todo, em casa, nas atividades profissionais de Miguel e nos momentos de diversão, como baladas, restaurantes e teatros. Desde que a mãe deles morreu, o jornalista cuidava de Júnior, que tinha síndrome de Down.
"Eu cuidei da minha criança durante 17 anos", ele diz. "Foi a maior bênção e missão da minha vida. Não tenho nem palavras para resumir a alegria que nós dois tivemos juntos".
O sonho de ficarem velhos lado a lado foi interrompido pela Covid-19. Os dois foram contaminados pelo coronavírus e chegaram a dividir o mesmo quarto do hospital em Bauru (SP), onde moravam.
Júnior, no entanto, precisou de cuidados especiais, e eles foram separados. Miguel conseguiu se recuperar, mas o irmão mais velho não resistiu às complicações provocadas pela doença. Morreu após 20 dias de internação.
A alegria que o jornalista menciona era uma característica conhecida de Júnior, uma personalidade marcante em Bauru por causa da presença entusiasmada em eventos sociais e filantrópicos.
Ele gostava de dançar e fazer amigos. Tinha alguns focos na vida. Um deles eram os artistas da década de 1980. Entre os personagens da ficção, o preferido era o Incrível Hulk, na versão antiga, que gostava de imitar, com direito à fantasia, aos gestos e às caretas.
"Eu chamava ele de criança, ele não gostava", lembra Miguel. Não só não gostava, como xingava o irmão inseparável e saía de perto por alguns minutos, quase verde de raiva. Mas logo passava e ele perguntava: "Cadê o Miguel?".
Antes da pandemia, Júnior visitava com frequência Francisco Guedes Bombini, conhecido como Super Chico, 4, que também tem síndrome de Down e é famoso nas redes sociais por sua história de superação. Júnior chamava a criança de "Francisco, Fantástico, show da vida".
Com o irmão, ele conheceu teatros e restaurantes de São Paulo, além de vários pontos turísticos em diversas cidades. Em casa, pedia canetas e lápis coloridos para escrever em cima das letras de jornais. Além das fantasias de Hulk, costumava vestir camisas de times de futebol.
Nos últimos tempos, usava as camisetas ao contrário e dizia que estava bem quando era aconselhado a desvirar.
"Não teremos mais os momentos preciosos, com risadas à solta, com o amor mais puro do universo nos rodeando", lamentou Daniela Guedes Bombini, a mãe do Super Chico.
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