O dia em que teve a bolsa de pós-doutorado aprovada pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em meados de maio de 2019, foi um dos que o biomédico Nilton Barreto dos Santos mais sentiu orgulho. Os apaixonados por pesquisa hão de entender. Ali brindava-se mais de uma década dedicada à ciência e à universidade pública.
Nascido em Abaetetuba (PA), mudou-se ainda pequeno para a capital, Belém, onde cursou a graduação e o mestrado em neurociência e biologia celular pela Universidade Federal do Pará. Em 2012, migrou para a capital paulista com um sonho: ingressar no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Assim o fez.
Nilton foi aprovado no doutorado e em dois pós-doutorados. Pesquisava como o estresse pode gerar respostas inflamatórias que prejudicam o sistema nervoso central e o tornam vulnerável a doenças como a esclerose múltipla e transtornos do humor, como a depressão e a ansiedade. Tanto avançava na pesquisa que conseguiu um intercâmbio no hospital Mount Sinai, um dos mais prestigiados dos EUA.
A viagem estava marcada para o início de 2020, mas a pandemia mudou os planos. Foi remarcada, então, para janeiro de 2022. Nilton não teve a chance de aguardar a data. Aos 34 anos, faleceu na noite desta terça-feira (4), em decorrência da Covid-19, após dois meses internado no hospital Emílio Ribas.
Uma das dolorosas ironias da vida, dizem os amigos e familiares. O biomédico, ao lado dos colegas do LaNEFI (Laboratório de Neuroendocrinofarmacologia e Imunomodulação) do ICB-USP, pesquisava os impactos do coronavírus no sistema nervoso central. A pesquisa é braço de um estudo maior capitaneado pelo professor Paulo Saldiva, da USP.
“Um sujeito comprometido e coerente”, descreve um dos melhores amigos de Nilton, o também pesquisador Leonardo Santana. Preocupado em retornar para a sociedade todo o conhecimento que recebeu nas universidades públicas, gostava de participar de projetos de extensão e planejava um curso voltado para estudantes do ensino público de São Paulo.
Vai ser difícil pensar no LaNEFI sem Nilton, diz a professora Carolina Munhoz, sua orientadora e fundadora do laboratório. Não apenas pela ética e pelo companheirismo que empregou no dia a dia do trabalho, mas pela companhia para assuntos sérios e, também, fofocas. “Brinco que Nilton ia do trash para o erudito em questão de segundos.”
A certeza de que o trabalho que ele começou precisa seguir dá o norte de como serão os próximos passos da equipe.
Para além do cientista, parte um Nilton extremamente humilde, tímido, generoso e fiel, diz a esposa, a engenheira e professora Sâmia, com quem estava havia 16 anos. Começaram a namorar ainda no ensino médio, em Belém, época na qual Nilton já sonhava em ser pesquisador. Sâmia define o relacionamento como um amor tranquilo e seguro.
Nilton deixa também os pais, duas irmãs e dezenas de amigos —muitos feitos em sua segunda casa, o laboratório de pesquisa.
O ICB-USP e o Departamento de Farmacologia divulgaram notas de pesar. “Esses anos de convivência nos brindaram com uma pessoa alegre, dedicada e de incansável amor pela ciência. As memórias que guardamos do companheiro generoso, sempre disposto a ajudar quem precisava, ficarão para sempre”, disse o instituto.
A família deseja que o legado de Nilton à ciência não se encerre aqui. Seus pulmões e coração foram doados para a Faculdade de Medicina da USP. “Para ajudar a entender por que tantos jovens saudáveis e sem comorbidades, como ele, estão partindo por causa dessa doença”, diz a esposa.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.