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Mortes no trânsito crescem em SP mesmo com reduçao de fluxo pela pandemia

Motociclistas puxaram alta de mortes; especialistas relacionam com alta demanda por aplicativos

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São Paulo

Impulsionado pelo aumento de mortes de motociclistas, o número de vítimas do trânsito em São Paulo aumentou no ano passado, apesar da diminuição do tráfego nas ruas com as medidas de distanciamento social ensejadas pela pandemia da Covid-19.

Ao todo, morreram 809 pessoas nas ruas da capital paulista em 2020, contra 791 no ano anterior.

A prefeitura tinha como meta diminuir o número de mortos pela metade ao longo da última década, parte de programa da ONU (Organização das Nações Unidas) de redução da letalidade no trânsito, mas o objetivo não foi alcançado, ainda que a queda de vítimas na cidade seja expressiva ao longo dos últimos anos.

Em 2011, haviam morrido 1.365 pessoas no trânsito de São Paulo. A redução de óbitos na década, portanto, foi de 41%.

O ano de 2020 teve 345 motociclistas mortos, 16% a mais que os 297 do ano anterior. O número voltou a ultrapassar o de pedestres mortos, o que tinha acontecido só em 2018 —em 2005, por exemplo, os pedestres representavam o dobro das vítimas entre os motociclistas.

Por outro lado, o número de pedestres mortos caiu 12% entre um ano e outro, de 359 para 316, o menor registro na série histórica do município, que começa em 1979.

A prefeitura relaciona esses dois fatores à pandemia. Segundo Maria Teresa Diniz, chefe da assessoria técnica da SMT (Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes), a faixa etária das vítimas de atropelamento mostra que idosos morrem mais, e esse grupo pôde ficar mais em casa durante a pandemia da Covid-19.

Ao mesmo tempo, os boletins de ocorrência de acidentes com motociclistas que trazem a informação da profissão da vítima mostram que a maioria trabalhava como entregador, o que pode estar relacionado a um aumento da demanda por esse trabalho com a oferta de serviços de entrega por aplicativos.

Nos registros policiais que trazem a causa da morte, as principais são perda do controle do veículo, imperícia ou imprudência e dirigir com velocidade excessiva.

Segundo os dados da prefeitura, 92% dos motociclistas mortos eram homens e a metade tinha entre 20 e 37 anos. A maior parte das ocorrências aconteceu aos fins de semana, principalmente à noite.

Gilberto Almeida dos Santos, presidente do SindimotoSP, que representa os motoboys, considera que o aumento de mortes é reflexo do aumento das entregas de pedidos por aplicativos.

“Você injeta um grande volume de trabalhadores despreparados, fora dos parâmetros do que a lei permite, remunerados por fora do sistema trabalhista, que paga por produção, sem respeito a parâmetros de jornada de trabalho. É uma categoria que já se acidenta muito, e você coloca essa pressão no algoritmo dos aplicativos, induzindo o trabalhador a correr para fazer a entrega no tempo e a cometer mais imprudência do que já comete”, diz ele.

Procurada, a Uber, que tem o serviço de entrega de comida Uber Eats e um de entrega de objetos, o Uber Flash, diz que segurança é prioridade e que tem uma parceria com uma consultoria de segurança viária para produzir materiais educativos e de prevenção de acidentes para motociclistas.

A empresa diz que não tem metas, número mínimo de viagens a cumprir ou exigência de horas mínimas de uso da plataforma, e que os entregadores têm seguro para acidentes pessoais.

Já o iFood afirmou que "todos os entregadores atuam de forma independente, ou seja, gerenciam seu próprio tempo, ficam disponíveis para entregas quando for mais conveniente e podem, inclusive, trabalhar em outras plataformas e atividades".

A empresa diz que não incentiva longas jornadas nem faz promoções ou incentivos para que as corridas sejam feitas rapidamente, e que a média de horas de um entregador na plataforma é de 26 horas por mês.

A Folha também procurou a Rappi, que não respondeu.

A Amobitec, associação que representa empresas do setor, questiona a ligação do número de mortes de motociclistas ao aumento da demanda por aplicativos. "A Amobitec não teve acesso aos dados que apontam que o aumento no número de óbitos de motociclistas está ligado às entregas por aplicativo. A associação reitera que suas associadas incentivam através de comunicações constantes a importância do respeito às leis de trânsito, sem pressão por longas jornadas ou pela adoção de altas velocidades nas corridas", diz em nota.

Especialista em mobilidade do Idec, Rafael Calabria afirma que as empresas até alegam preocupação com os trabalhadores, mas têm sistemas de penalizações e incentivos que obrigam o entregador a correr para atender à pressa do cliente.

“Isso estimula o entregador a não se preocupar tanto com essa segurança”, diz ele, afirmando que é preciso discutir protocolos de tempo e distância para os trabalhadores cumprirem o trabalho de forma segura, envolvendo a CET nas discussões.

“Por outro lado, com trânsito menor, a moto consegue ir mais rápido, e, em velocidade maior, quando acontece uma ocorrência, se fere mais”, diz. É preciso que a prefeitura use de seu papel regulador para dificultar a ocorrência de acidentes, diz ele, com diminuição de limites de velocidade e intervenções para acalmar o tráfego.

Mesmo com o número de veículos em circulação menor durante os primeiros meses da pandemia, que passou de 6,6 milhões antes das medidas de distanciamento para 1,6 milhão entre maio e abril do ano passado, o número de vítimas motoristas ou passageiros em carros também cresceu.

Maria Teresa Diniz, da SMT, diz que a queda no tráfego estimula aumento de velocidade, por trazer maior sensação de segurança, e os acidentes se tornam mais letais.

De acordo com os números da prefeitura, apesar do aumento no total de mortes, o número de acidentes caiu de 13.966 para 9.837, o que mostra que a letalidade subiu.

A prefeitura destaca uma série de ações de aumento da segurança no trânsito, como o Plano de Segurança Viária, com ações para redesenho de ruas e redução de velocidades. A gestão Ricardo Nunes (MDB) também pretende reduzir o número de mortes no trânsito para 4,5 por 100 mil habitantes, compromisso presente no Plano de Metas —em 2020, essa taxa ficou em 6,6 por 100 mil.

Nesta quarta (26), a prefeitura publicou portaria formalizando um grupo de trabalho para estudar e fazer uma proposta de regulamentação das empresas de entrega.

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