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Polícia prende 16 pessoas investigadas por sumiço de meninos em Belford Roxo (RJ)

Operação mirou suspeitos de serem traficantes, mas desaparecimento ainda não foi solucionado

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Rio de Janeiro

A Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu temporariamente 16 pessoas que estão sendo investigadas pelo desaparecimento de três meninos desde dezembro em Belford Roxo, na região da Baixada Fluminense. Não se sabe, porém, se eles têm relação com o caso, que continua sem solução após quase cinco meses.

Os detidos são suspeitos de integrarem uma facção criminosa que comanda o tráfico de drogas no Complexo do Castelar e de realizarem uma espécie de tribunal do crime na região, além de diversos roubos de veículos e cargas, segundo a corporação, que não divulgou seus nomes.

Até cinco deles também são investigados por torturar um morador e expulsar sua companheira e seus quatro filhos menores de idade da comunidade. O grupo teria acusado falsamente a família pelo sumiço das crianças para supostamente prejudicar o trabalho da polícia.

Esse vizinho chegou a ser levado à delegacia pelas próprias famílias dos garotos em janeiro, porque teria dito que “ganharia muito dinheiro com três meninos” dias antes de eles desaparecerem. O envolvimento do homem, porém, foi descartado pelos delegados.

Lucas, Alexandre e Fernando, os três meninos desaparecidos em Belford Roxo (RJ) ao final de dezembro
Lucas, Alexandre e Fernando, os três meninos desaparecidos em Belford Roxo (RJ) desde o final de dezembro - Reprodução

A tortura teria ocorrido logo após o sumiço dos primos Lucas Matheus da Silva, 8, e Alexandre da Silva, 10, e do amigo Fernando Henrique Soares, 11. Os meninos saíram para brincar no campo de futebol do bairro naquele domingo e nunca mais voltaram para casa para almoçar.

"A gente instaurou um inquérito para que isso [a tortura] fosse apurado. No curso da investigação alguns responsáveis pela tortura foram identificados e foi pedida a prisão”, disse o delegado Uriel Alcântara, chefe da Divisão de Homicídios da Baixada (DHBF), em entrevista coletiva nesta sexta (21).

A operação, que contou com cerca de 150 policiais civis, é fruto de dois inquéritos simultâneos, da DHBF e da DC-Polinter (Divisão de Capturas da Polícia Interestadual), que já apurava crimes cometidos pela facção na área. Também teve ajuda da Core (Coordenadoria de Recursos Especiais).

Durante a ação, os investigadores apreenderam cerca de cinco motocicletas e um carro roubado que tinha manchas de sangue dentro do porta-malas —um outro inquérito sobre um homicídio cita um veículo com as mesmas características, e havia no interior pertences da vítima de um roubo, diz a polícia.

A corporação, no entanto, não coletou novas provas sobre o sumiço dos meninos. Alcântara disse que a hipótese de que o tráfico seria responsável pelo desaparecimento é a mais forte até agora, mas não descartou outras linhas de apuração. Também citou o roubo de um passarinho como suposto motivo para o crime.

“Além de diversas informações, temos algumas questões como a própria tortura desse morador e um ônibus incendiado no mesmo dia dessa tortura. Embora outras linhas não estejam descartadas, a linha do tráfico tem um peso relevante. Teria uma suposta ação das crianças que gerou essa reação do tráfico, uma subtração de um pássaro de um determinado traficante”, declarou.

Roberto Cardoso, diretor do Departamento-Geral de Homicídios e Proteção à Pessoa, afirmou que há elementos que "não podem ser divulgados sob risco de prejudicar a investigação", mas que "a Polícia Civil não descansa enquanto não conseguir esclarecer esse fato".

Os delegados também usaram a entrevista para defender a operação no Jacarezinho no dia 6, com 28 mortos, que ainda está sendo investigada. "Assim como no Jacarezinho, [esta] foi uma operação para cumprir mandados de prisão. Como não houve resistência, a operação correu com mais tranquilidade", disse Cardoso.

A pista mais concreta divulgada até agora sobre o sumiço dos garotos é a gravação de uma câmera de segurança que mostra Lucas, Alexandre e Fernando andando normalmente em uma rua de um bairro vizinho naquele dia 27 de dezembro. O horário da filmagem marca 13h39min.

As crianças foram reconhecidas nas imagens no início de março, após limpeza e análise feitas pelo Ministério Público estadual com um programa mais sofisticado. Os policiais já haviam colhido gravações de dezenas de câmeras, mas como a qualidade estava ruim não haviam identificado os meninos.

As famílias criticam a lentidão na resolução do caso e dizem que a polícia demorou a agir. "Naquele dia em que fomos na delegacia, se tivessem puxado as câmeras, ido atrás das crianças, tenho certeza de que teríamos tido uma resposta”, disse Tatiana Ribeiro, mãe de Fernando, à Folha no mês passado.

As mães ouviram de agentes que só poderiam registrar o sumiço 24 horas depois, sendo que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê buscas imediatas. “Eles demoraram e ainda está demorando, porque o caso do Henry [Borel, 4, espancado e morto em março] em menos de um mês teve resultado. Me sinto humilhada porque não tenho dinheiro, meu filho não é branco", afirmou na ocasião.

A corporação diz que já fez mais de 80 diligências, além de buscas em diversos bairros do Rio e de cidades da Baixada, onde imagens foram coletadas e apresentadas às famílias. Também rebate que começou a apuração “imediatamente após a comunicação” do fato, com o registro da ocorrência e um primeiro depoimento formal.

Para a defensora pública Gislaine Kepe, que acompanha as mães, há um despreparo em geral da Polícia Civil na busca de pessoas desaparecidas: "Ela é equipada para investigar crimes, e nem sempre há crimes envolvidos nessas ocorrências, por isso é preciso criar grupos especializados, como já existe na cidade do Rio”.

A Baixada Fluminense tem um problema crônico de desaparecimentos, com cerca de 15 registros diários, segundo Bruno Dauaire, secretário estadual de Direitos Humanos. A taxa foi de 32 casos a cada 100 mil habitantes na região em 2020, contra 28 no estado todo.

Para se ter uma ideia, o RJ registrou quase tantos sumiços (3.350) quanto homicídios dolosos (3.544) no ano passado, de acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública).

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