Descrição de chapéu Folhajus

Saul Klein estruturou sítio para fetiches sexuais de 'sugar daddy'

Empresário mantinha ginecologistas, massagistas e cabeleireiros para jovens contratadas para festas; 14 delas o denunciam por estupro e aliciamento

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São Paulo

O empresário Saul Klein, 67, fez de um sítio em Boituva (117 km de São Paulo) um misto de clube e spa para satisfazer seus fetiches sexuais.

A propriedade, que consta no patrimônio de R$ 61,6 milhões declarado à Justiça Eleitoral quando o empresário foi candidato a vice-prefeito em São Caetano do Sul em 2020, era o destino de finais de semana movidos a sexo pago.

Esquema denunciado por 14 jovens ao Ministério Público traz acusações de estupro e aliciamento. Cinco delas teriam declarado que eram menores quando participaram de festas em que Klein era o contratante e único convidado masculino.

“O maior deleite de Saul vinha da interação com mulheres interessantes e bonitas em conversas, jogos, danças, leituras e experiências ligadas à arte. A fantasia dele era se cercar de jovens para horas de prazer mental e físico, em ambiente desprovido de julgamentos”, afirma o advogado do empresário, André Boiani e Azevedo, sobre os encontros no sítio e na casa em Alphaville, nos arredores da capital paulista.

Já os relatos das jovens que se apresentaram como vítimas à promotora Gabriela Manssur, fundadora do projeto Justiceiras, que encaminhou as denúncias para a Ouvidoria Nacional do Ministério Público, são de orgias, sexo sem consentimento nem preservativo e brutalidades.

O patrocinador dos eventos privê, rotineiros ao longo de uma década, é o filho caçula de Samuel Klein (1923-2014), fundador das Casas Bahia, também acusado de abuso sexual por dezenas de mulheres.

Saul Klein em evento em 2012 - Leticia Moreira/Folhapress

O herdeiro do “rei do varejo” foi denunciado por aspirantes a modelo, estudantes, garotas de programa e até por uma ex-funcionária da Avlis, agência contratada para organizar as festas para jovens bonitas dispostas a agradar um “sugar daddy”, como Saul se denomina.

O termo em inglês se refere a homem mais velho (papai de açúcar, em tradução livre) que tem o fetiche de sustentar mulheres bem mais novas, "sugar babies", em troca de afeto e/ou sexo.

“A alegação de sugar daddy parte do princípio de que violências podem ser compradas e que um homem muito rico tem um poder ilimitado”, afirma, por email, a advogada Gabriela Souza, que representa 25 jovens que decidiram denunciar Klein. Nenhuma delas quis dar entrevista, mesmo com a garantia de que teriam suas identidades preservadas.

Segundo a advogada, "é uma aberração jurídica defender que um homem que estuprou, agrediu, humilhou, transmitiu doenças venéreas propositalmente e cometeu crimes contra mulheres vulneráveis seja reconhecido como 'sugar'. Trata-se de um predador sexual”.

Ao apresentar os argumentos que levaram o juiz a revogar medida protetiva que impedia Saul de se aproximar das denunciantes, o advogado do empresário admite que “houve eventos em que o sexo foi mais desenfreado, mas sem que qualquer ilícito fosse praticado”.

O esquema montado para deleite de Saul passava por uma triagem feita por ginecologistas contratadas para examinar as convidadas. Após avaliação ginecológica e checagem de doenças sexualmente transmissíveis, as jovens eram liberadas ou não para ter relações sexuais com o anfitrião, sempre sem camisinha.

Estava a cargo do cirurgião plástico Ailthon Takishima, médico pessoal de Saul, a contratação das profissionais de saúde, beleza e bem-estar para atender moças pré-selecionadas e pagas pela agência.

O próprio Saul pensou em cada detalhe. “Ele conversou com doutor Ailthon e quis montar uma equipe multidisciplinar”, disse à Folha a ginecologista Silvia Petrelli.

“Tinha médico, dentista, cabeleireiro, manicure, massagista. É um sítio grande, bem montado, com alojamentos, casinhas para a família dos caseiros, funcionários e seguranças. Umas 20 pessoas moravam e trabalhavam lá direto.”

Formada pela Universidade de Taubaté, a ginecologista e mastologista recebeu a reportagem em seu consultório particular em São Caetano do Sul, onde cobra R$ 350 por consulta. Mesmo preço, explica, cobrado por garota atendida no sítio. O valor incluía Papanicolau e colposcopia, exames para análise do colo do útero, da vagina e da vulva.

“Quando iam muitas, eu fechava um pacote. Às vezes, de R$ 2.000, R$ 3.000. Doutor Ailthon recebia do Saul, repassava o valor e a gente dava nota fiscal.”

O médico, em nota, diz se sentir constrangido com as insinuações de que tenha participado de atos ilícitos. “Conheço o sr. Saul Klein há mais de 20 anos, tendo cuidado da saúde dele, de familiares e amigos, inclusive em propriedades dele. Não tenho conhecimento das acusações e já esclareci os fatos à autoridade policial.”

Antes de virar caso de polícia, as moças embolsavam entre R$ 3.500 e R$ 5.000 para participar das festas.

“Elas me contavam que, além do dinheiro, ganhavam sapatos, roupas, até carro. Eu dava liberdade para falarem tudo. Era um pouco mãe, amiga”, afirma a médica. “Não tinha menores de idade. Algumas eram casadas. Outras eram garotas de programa.”

Os atendimentos no sítio eram aos sábados, das 8h às 18h. Silvia se revezava semanalmente com outra ginecologista, Matilde Iacobucci, para atender de 5 a 15 mulheres, em média.

A médica não vê conflito ético no serviço domiciliar feito no sítio entre 2008 e 2018. Já prestou depoimento na Delegacia da Mulher de Barueri, que conduz o inquérito sob sigilo.

“Eu disse para a delegada: ‘Doutora, não vou deixar um homem ser preso por causa de uma mentira de estupro. Se ele fosse um estuprador, seria a primeira a falar”, afirma Silvia.

“Nunca vi cena obscena nem ele levantar um dedo para as meninas. Faziam a festinha e as coisas deles à noite.”

A entrevista é acompanhada por uma amiga da ginecologista, a advogada Luana Burian, que a orientou sobre o serviço prestado às garotas do Saul.

“Atendimento domiciliar é permitido pelo CRM. Ela não aliciou nem agenciou ninguém. Cobrava pela consulta, procedia como no consultório, montava os prontuários e passava as informações para as pacientes e a coordenadora”, diz Luana.

O contato de Silvia era direto com Ana Paula Fogo, responsável pela organização dos eventos e uma das mulheres que denunciaram o esquema ao MP. Procurada pela Folha, respondeu que não daria entrevista por orientação de seu psiquiatra.

Silvia conta que passava relatórios sobre DSTs diagnosticadas ou suspeitas. “Se via lesão no colo do útero, mancha ou verruga, eu colhia o exame e mandava para o laboratório. E dizia: fulana não vai poder ter relação. O que tinha mais era clamídia e HPV.”

Segundo a ginecologista, as pacientes autorizavam o compartilhamento dos dados médicos. Em nota, o Conselho Regional de Medicina informa que está investigando, sob sigilo, a conduta dos profissionais envolvidos.

“Estou tranquila da minha parte profissional e ética. Um monte dessas meninas vai me defender. Elas precisavam de alguém para cuidar da saúde. E essa pessoa era eu”, diz Silvia.

Evangélica, membro da Assembleia de Deus, a médica avalia que, se for “pensar no princípio moral, acha errado, pois não é um hábito normal ser um 'sugar daddy'”. Declara-se contra o aborto.

A médica faz palestras de prevenção para as irmãs da igreja, a última com o título Preparando Mulheres para o Reino.

Concursada pela Prefeitura de São Caetano desde 2003, a ginecologista foi coordenadora do Centro de Assistência à Saúde Integral da Mulher e programa Saúde da Família.

“Atendo donas de casa, executivas, modelos, garotas de programa, uma vai indicando a outra.”

Silvia foi responsável pela indicação de Saul Klein para vice-prefeito na chapa do PSD, legenda pela qual ela também concorreu a vereadora ano passado. Teve 302 votos e ficou como suplente.

“Trouxe Saul para a política pela história de vida, de como venceram. O pai andava com carrinho pela cidade vendendo coisas”, lembra a médica, sobre a trajetória do patriarca, de mascate a dono de império de 500 lojas.

As acusações contra Samuel Klein não chegaram a surpreendê-la. “As meninas me contavam que o pai era igual, só que mais generoso. Uma delas ganhou um apartamento do seu Samuel”, relata Silvia.

Ambos pagaram pelo silêncio de mulheres que ameaçaram denunciá-los. No caso do pai, um acordo envolvendo três irmãs chegou a R$ 1 milhão.

Em nota à Folha, Saul declara ver, como filho, "com absoluta tristeza a existência de injustas acusações contra quem lamentavelmente não pode mais se defender". E conclui: "Confio que a verdade prevalecerá”.

Em vídeos publicados pelo UOL, Saul admitiu ter pago R$ 1,6 milhão por dois acordos extrajudiciais intermediados pela dona da agência Avlis, Marta Gomes da Silva.

“As duas jovem que fizeram acordo constam como denunciantes e ainda não foram ouvidas pela polícia. Intriga o fato de agora optarem pelo silêncio”, afirma o advogado de Saul.

Marta e seus advogados não foram localizados. Ela move ação trabalhista desde que deixou de prestar serviços para o empresário em 2019.

“As vítimas eram aliciadas por uma quadrilha articulada por mando de Saul Klein, usando das suas vulnerabilidades sociais para que elas se tornassem alvos fáceis de violências sexuais”, afirma Gabriela, advogada de quase todas as jovens.

“A oferta de qualquer benefício faz parte de uma tentativa de amarrá-las a um esquema engenhoso e criminoso que permitia que Saul Klein as estuprasse, agredisse e diminuísse tanto sua autodeterminação a ponto de uma das vítimas ter cometido suicídio em 2020.”

A gamer e modelo Janny Lavigne, 20, postou em seu perfil no TikTok, com 73 mil seguidores, quatro vídeos sob o título “O dia que fui pra mansão do herdeiro das Casas Bahia”.

Conta que, em 2019, recebeu R$ 3.500, mais uma mala de roupas, lingerie e sapatos, para ficar de quinta a domingo no sítio do empresário.

Ela mostra fotos no banheiro e no quarto, com vestido sexy e franjinha. “Essa aqui sou eu de lente azul e com bastante pó para ficar bem branca.”

À Folha forneceu mais detalhes da experiência. “As monitoras pediam para não falar de dinheiro, porque ele achava que a gente estava lá porque gostava dele e pelos presentes. Ele se denominava nosso namoradinho.”

Todas dormiam de pijama com estampa da Minnie, bem infantil, para agradar ao Zinho, como Saul pedia para ser chamado. “Tinha horário para comer, não podia ficar andando pela casa sozinha. Só podia ir para a piscina e a sauna com as monitoras.”

Segundo Janny, “sexo não era uma coisa que acontecia sempre”. “Na sexta e no sábado, ele escolheu meninas para transar. Mas, em um dos dias, ficamos até 4h da manhã ouvindo ele ler jornal.”

Ela diz não ter presenciado nenhum abuso. “Não estou negando o que as meninas falaram, as que estão processando ele. Mas você não era obrigada a ter relação com ele. Só que, se não transasse, não era mais chamada.”

Não foi escolhida nem convidada a voltar. “Infelizmente, ele gostava de meninas que não tinham tetinhas.”

Janny diz ter sido descoberta por olheiros de Saul no site Meu Patrocínio, com 2,8 milhões de usuários inscritos no Brasil: 1,8 milhão de "babies" femininas, 689 mil "babies" masculinos, 279 mil "sugar daddies" e 48 mil "sugar mommies".

Desde 2015, 153 mil "relacionamentos sugar" foram iniciados por meio da plataforma. “Hoje temos novelas e programas de televisão abordando o assunto abertamente”, afirma Caio Bittencourt, diretor de comunicação do site.

Segundo ele, um "sugar daddy" não obriga ninguém a nada. Por isso, Saul Klein não seria um patrocinador desse tipo. “Pelos fatos noticiados, é estratégia para tirar o foco de seus alegados crimes. Um 'relacionamento sugar' não é sobre ter várias mulheres, e sim achar a sua 'sugar baby' ideal.”

Três jovens continuam frequentando a casa de Saul Klein, de acordo com o advogado. “Ele mantém 'relacionamento sugar' com algumas moças. Não mudou o comportamento. Por causa da pandemia, não tem ido mais ao sítio, mas recebe as jovens na residência dele em Alphaville”, explica Azevedo, sobre os hábitos do cliente descrito como “o daddy de todos os daddies”.

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