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Polícia apura sequestro e estupro coletivo de mulher trans em MS

Vítima precisou passar por cirurgia após agressões e segue hospitalizada

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Campo Grande

A Polícia Civil em Mato Grosso do Sul investiga uma denúncia de sequestro, estupro coletivo e injúria racial contra uma mulher trans. As agressões sofridas por Camila Ferreira, 54, ocorreram no último dia 17, mas só se tornaram conhecidas uma semana depois, quando ela pediu ajuda a amigos, sem conseguir andar por causa das dores e do quadro infeccioso.

Segundo a polícia, a violência ocorreu "em decorrência de preconceito por sua condição de mulher transexual". A defesa vai pedir que o caso seja investigado como tentativa de homicídio.

Camila ainda está internada no Hospital Universitário em Campo Grande. A assessoria informou que ela foi submetida a cirurgia de reconstrução do reto, ainda passa por exames para doenças infecciosas e, até a tarde desta quarta-feira (30), não havia previsão de alta.

mulher transexual de cabelos presos e roupa hospitalar andar em quarto de hospital
Camila Ferreira, 54, mulher trans que foi agredida, se recupera no Hospital Universitário de Campo Grande - Camila Ferreira no Facebook

O caso foi registrado na Deam (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher) e corre sob sigilo. À Folha a delegada Barbara Camargo Alves afirmou que adota o entendimento jurídico da injúria racial com motivação homofóbica, sendo um tipo de injúria qualificada.

“A gente faz com base no relato da vítima e ela narra estupro coletivo, instigado por mais de uma pessoa e, no momento do ato, sendo insultada por sua condição de identidade de gênero, por ser mulher trans”. Segundo ela, a tipificação pode ser alterada no decorrer das investigações, podendo ser até agravada.

O relato do que aconteceu foi feito por Camila a um casal de amigos e à psicóloga que a atende na instituição de apoio ao público LGBTQIA+.

Pelo relato, no fim da manhã do dia 17, Camila saiu de casa, na Vila Sobrinho, e foi ao mercado. Quando retornava, por volta das 11h, disse que foi surpreendida por dois homens que a cercaram e a obrigaram a entrar em um carro vermelho. Eles usavam máscaras e bonés, para dificultar a identificação.

Ela foi encapuzada e levada para uma casa. No local, diz ter sido espancada e obrigada a praticar sexo com um cachorro. Depois, foi abandonada próxima ao cemitério Santo Amaro.

Naquele dia, chegou a ir à UPA (Unidade de Pronto Atendimento) da Vila Almeida, mas não contou do estupro. Disse apenas que manteve relações sexuais e acabou tendo sangramento. Recebeu medicamento e foi para casa.

“Ela só me contou no dia 24, quando já estava com o lado esquerdo do corpo paralisado”, disse o autônomo Jefferson Bernardo da Silva, amigo de Camila. Ele e a esposa, Jéssica Ferreira da Silva, tinham convidado Camila para comer bolo de aniversário da filha do casal.

Aos amigos Camila disse que estava passando mal e não conseguia andar direito, mas não queria ir ao médico. Jéssica foi buscá-la. “Ela ficou deitada no sofá, mas aí não aguentou mais de dor e contou para minha esposa o que tinha acontecido. Estava morrendo de vergonha.”

Camila foi levada à UPA da Vila Almeida, a mesma que havia ido no dia 17, mas, desta vez, contou aos médicos sobre o estupro e as agressões. No fim da tarde de sexta-feira (25), foi transferida para o HU.

A advogada Adriane Cardoso, que representa Camila, conversou com ela no hospital. “Ela está bem abatida, não seria diferente, isso vai marcar a vida dela”, contou. “Ela é pessoa simples, que já sofreu muita discriminação”.

A investigação sobre o sequestro e estupro é tratada em sigilo pela Polícia Civil, mas já ganhou as redes sociais, após postagem dos amigos e de uma sobrinha de Camila pedindo a investigação e prisão dos culpados. “Nosso intuito é não deixar isso impune, não pode falar que essas pessoas são seres humanos, porque eles não são”, disse Jefferson Silva.

“Camila é mais velha, não tem fonte de renda e, por ser trans, um grau de vulnerabilidade ainda maior”, diz a psicóloga Rebeca de Lima Pompilio, coordenadora social da clínica da Casa Satine, que já prestou assistência à vítima.

Camila nasceu em Corumbá e, como não tinha família em Campo Grande, contava com apoio e ajuda do casal de amigos. Fazia diárias e trabalhava com alegorias em escola de samba. Com a pandemia e sem o Carnaval, viu a renda cair. Vive em um anexo de academia de ginástica, em troca da prestação de serviço como auxiliar de serviços gerais. Também toma conta de quadra de esportes próxima. “É uma pessoa muito querida, tranquila e extremamente educada”, conta Rebeca.

A psicóloga diz que havia combinado de encontrar Camila no sábado (19), para gravar vídeos para o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, mas a mulher não atendeu às ligações. A ideia era mostrar o artesanato e o orgulho de fazer parte da comunidade LBGTQIA+.

Quando soube do ocorrido, foi ao hospital e ouviu o mesmo relato feito ao casal de amigos, que organizam protesto para o dia 2 de julho. Uma vaquinha virtual foi aberta para auxiliar Camila quando sair do hospital.

A Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul instaurou procedimento para acompanhar a investigação e oferecer futura assistência de acusação. O defensor Mateus Sutana informou que aguarda elaboração de relatório da subsecretaria de Políticas Públicas LGBT, do governo estadual, para se manifestar.

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