Área de futuro parque na zona leste de SP, com restos de mata atlântica, é invadida por nova favela

Criado há quatro anos por lei, Parque Municipal Fazenda da Juta já perdeu parte de sua cobertura vegetal por falta de estrutura

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Gonçalves (MG)

Um tapete de árvores remanescentes de mata atlântica na zona leste, região mais populosa da capital paulista, é alvo de degradação acelerada. Em imagens captadas por drone da Folha, veem-se lonas azuis encobrindo uma fileira de barracos que formam uma nova favela no lugar.

O crime ambiental ocorre em várias porções da área de 150 mil m2 circundada por prédios e casas e que deveria estar estruturada para se tornar o Parque Municipal Fazenda da Juta.

Barracos dentro da área do futuro Parque Fazenda da Juta, na zona leste de SP
Imagem aérea mostra barracos dentro da área do futuro Parque Fazenda da Juta, na zona leste de SP - Eduardo Anizelli/Folhapress

No entanto, o vácuo deixado pela administração do então prefeito Bruno Covas (1980-2021) e pelo hoje titular, Ricardo Nunes (MDB), tem dado espaço à atuação de criminosos, que utilizam famílias sem-teto vulneráveis para derrubar as árvores nativas e abrir novos lotes clandestinos.

Representantes de organizações sociais, políticos e educadores disseram à Folha que a área verde está sendo desmatada sob as ordens da organização criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).

Além de comandar o tráfico de armas e de drogas, os integrantes do PCC têm seguido a mesma cartilha dos milicianos do Rio de Janeiro. Para expandir seu domínio pela periferia paulistana, promovem grilagens de terra em territórios onde o poder público está ausente.

A área também virou ponto de descarte de lixo e entulhos da construção civil que vêm ameaçando uma nascente de água e a diversidade de animais —a própria prefeitura já catalogou, por meio de sua Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, 25 espécies de aves e 93 da flora no local.

A iniciativa de transformar a área em um parque foi prevista no Plano Diretor da cidade de São Paulo em 2015 e, dois anos depois, um projeto de lei assinado pela vereadora Juliana Cardoso (PT) foi aprovado na Câmara Municipal.

Pela lei, o domínio do parque fica entre as ruas Augustin Luberti e André Thevet e com a rua Luca Conforti. Ele deveria ser cercado com gradil e ter pista para caminhada, equipamentos para exercícios físicos, uma sede administrativa com equipes de segurança e um conselho gestor composto também pelos moradores.

Como nada disso saiu do papel, a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de São Paulo abriu um inquérito civil, em junho deste ano, para investigar o descaso das autoridades em relação à preservação da última área verde de Fazenda da Juta.

O inquérito requisitou providências da Polícia Militar Ambiental, da subprefeitura de Sapopemba e de outros representantes que, segundo o Ministério Público, ainda não se manifestaram. A Promotoria também planeja uma vistoria ao local.


O QUE O FUTURO PARQUE TEM

25
é o total de espécies de aves, como papagaio, periquito-rico e o periquitão

93
é o número de espécies da flora

70
das espécies da flora localizadas são nativas do município de São Paulo

109
é o total de parques administrados pela prefeitura

7
são os novos parques em processo de implantação na cidade de São Paulo; 4 estão em obras, 1, em licitação e 2, em licitação de projeto. Do total, 6 localizam-se em áreas periféricas

Fonte: Secretaria do Verde e do Meio Ambiente da cidade de São Paulo


O bairro Fazenda da Juta recebeu esse nome porque no local havia uma grande propriedade rural que fabricava juta, a fibra vegetal usada na confecção de sacos para o café produzido no século 19.

Ele integra a subprefeitura de Sapopemba, que tem a menor cobertura verde (vegetal, arbórea e rasteira) por habitante da cidade, segundo a edição 2019 do Mapa da Desigualdade, da Rede Nossa São Paulo.

Sapopemba, cujo nome é derivado da sapopema, como são chamadas as grossas raízes das árvores amazônicas, tinha 3,65 metros quadrados de área verde por morador, de acordo com esse levantamento. Para a OMS (Organização Mundial de Saúde), o espaço urbano adequado precisa conter ao menos 12 m² de cobertura vegetal por pessoa.

Evaniza Rodrigues, 52, integrante do Movimento Sem-Terra Leste 1, diz que a mata da região foi reservada para ser um parque ainda no final da década de 1980, quando o movimento reivindicou a repartição e a regularização da área desocupada junto à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), do governo paulista.

Na época, os moradores se organizaram para construir as próprias casas. A CDHU fez os condomínios verticais e cedeu outras áreas para que virassem espaços de lazer. “Mas tudo foi sendo ocupado com a chegada de mais gente. Só restou essa vegetação para o parque”, conta Rodrigues.

Ela afirma, no entanto, que o direito à moradia é uma necessidade básica e que as famílias que estão dentro dos limites do parque não constam em cadastros públicos e estão fora de quaisquer iniciativas de regularização, diz.

A Fazenda da Juta está a 23 km de distância da avenida Paulista, na região central. Reportagem da Folha mostrou que os estigmas relacionados ao bairro levam os moradores a mentir nos currículos que residem na vizinha Santo André, cidade da Grande São Paulo, para conseguir um emprego.

Ocupação irregular de barracos na área do Parque Fazenda da Juta, na zona leste de SP
Ocupação irregular de barracos na área do Parque Fazenda da Juta, na zona leste de SP - Eduardo Anizelli/Folhapress

O bairro enfrenta baixos indicadores sociais. Ao menos 26% das residências são compostas por famílias com renda inferior a um salário mínimo, 9,7% delas são superlotadas –com seis ou mais moradores— e menos da metade dos imóveis são quitados, segundo o censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A pressão sobre o último maciço de vegetação existia há tempos, mas nunca na escalada como a de agora, afirmam os moradores. A pesquisadora Crécia Ferreira, que mora diante da área verde e coordena o Instituto Daniel Comboni, diz que entre maio e junho o clima ficou mais tenso.

“Essa invasão tem sido muito forte. Existe a questão da pandemia [de Covid] que desalojou muita gente, mas tem outros que buscam invadir para construir barracos e alugar."

Ferreira anda aflita com um majestoso pé de araçá amarelo plantado por ela na mata há dez anos e que foi objeto de sua tese de mestrado na PUC-SP. “Os barracos já estão rentes a ele. Temo que logo ele possa ser cortado”, diz.

A vereadora Juliana Cardoso (PT-SP), que nasceu em Sapopemba, afirma que a mata só não desapareceu do mapa por causa da ecovigilância dos moradores. “Eles sempre acionam a Guarda Municipal quando percebem uma movimentação suspeita ou a chegada de materiais de construção, como areia e pedras, na região do parque."

Cardoso também diz que já reservou R$ 1 milhão em emenda parlamentar para cercar a área e, em ofícios encaminhados à prefeitura, solicitou recursos do Fundurb (fundo que destina recursos provenientes da arrecadação da outorga onerosa na cidade) para tirar o parque do papel.

“Eles [a prefeitura] não quiseram aceitar o recurso para essa finalidade, e o dinheiro acabou sendo usado em outras ações”, afirma.

O geógrafo inglês Matthew Richmond, que pesquisou questões urbanas de Sapopemba, criou um abaixo-assinado virtual para forçar ações judiciais de reparação e projetos em prol da área que precisa ser preservada em Fazenda da Juta.

Richmond diz que a inércia da prefeitura em relação ao parque da zona leste reforça as desigualdades da maior metrópole da América Latina. "Os projetos ambientais sempre se concentram nas áreas mais centrais onde está a população de classe média alta”, afirma.

“Nunca se falou tanto da importância das áreas abertas como nesta pandemia. Os moradores da Juta têm uma área verde, mas não podem usufruir dela porque a prefeitura não se move”, diz o pesquisador da LSE (London School of Economics).

OUTRO LADO

A Folha encaminhou um pedido de entrevista para Marlon Salles da Silva, 44, subprefeito de Sapopemba, que diz morar no distrito, mas a prefeitura preferiu se manifestar por meio de nota.

Segundo a gestão Nunes, devido às ocorrências de ocupação na área, há um processo em andamento que busca informações para regularização fundiária ou projeto de urbanização no interior do limite do parque.

A nota ainda informa que uma ação, realizada no último dia 3, com o apoio da GCM Ambiental e da PM, “impediu a continuidade de construções irregulares”. No local, segundo a prefeitura, não havia pessoas morando sob os barracos.

O parque não possui, no momento, recursos aprovados no Fundurb para a sua implantação, de acordo com a nota enviada à Folha.

Já a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente diz, também por nota, que o Plano Plurianual 2022-2025 da prefeitura vai incluir previsão orçamentária para estruturar o futuro Parque Fazenda da Juta.

A pasta diz que, para garantir a preservação da vegetação, “orçou o cercamento do terreno com o gradil padrão, mas não há aprovação e previsão de quando a área será cercada”. Também afirma que a Divisão de Contabilidade e Finanças da secretaria não localizou registros de emendas parlamentares para cercar o parque, como disse a vereadora Juliana Cardoso.

A prefeitura diz que faz vistorias rotineiras no local, mas nem ela nem a GCM comentaram as denúncias sobre a participação do PCC nas invasões contra o parque.

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