Com confinamento, mais paulistanos se tornam pais de plantas ou de pets

Iniciantes na jardinagem recorrem a tutoriais para que hortas e flores sobrevivam no apartamento

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São Paulo

Na impossibilidade do contato com outros humanos na quarentena, muita gente quis ter por perto ao menos um outro ser vivo. Segundo pesquisa Datafolha, 73% dos moradores de São Paulo estão cuidando de plantas ou de animais na pandemia.

A paulistana Marina Kolya, 39, encontrou nas plantas um refúgio para o confinamento de mais de um ano em seu apartamento na Vila Romana, zona oeste de São Paulo. Com problemas cardíacos e pulmonares, ela só saiu de casa para ir ao médico e tomar a primeira dose da vacina contra a Covid. O marido, o publicitário Rodrigo Resende, 35, é quem vai ao mercado.

Assim que o casal percebeu que a pandemia não acabaria logo, resolveu transformar uma parte da sala em varanda, com rede e vasos de plantas. “É uma forma de me sentir do lado de fora”, afirma Marina.

Marina Kolya na varanda improvisada em seu apartamento, na Vila Romana, zona oeste de São Paulo
Marina Kolya na varanda que improvisou em seu apartamento, na Vila Romana, zona oeste de São Paulo - Rodrigo Resende/Divulgação

Os dois encomendaram algumas espécies pela internet e ganharam outras. Chegaram a ter dez, mas, sem experiência prévia com jardinagem, acabaram matando quatro delas no último mês, ao aplicarem um adubo errado.

“Eu nunca havia me interessado por planta. Agora, eu quero comprar mais, mas antes preciso dar conta das que eu já tenho”, diz Marina, que tem procurado informações sobre cultivo no YouTube.

Com mais de 1,4 milhão de inscritos no canal Minhas Plantas, a jardineira Carol Costa já salvou muitas mães e pais de planta de primeira viagem na pandemia. Evitando termos técnicos, ela ensina jardinagem de forma descomplicada em seus vídeos.

No início da quarentena, Carol incentivou que as pessoas usassem o que tivessem em casa para plantar, por exemplo, transformando sobras de comida em adubo e embalagens em vasos. Também transmitiu dezenas de lives —a mais assistida superou 48 mil espectadores simultâneos.

Com a alta na procura por conteúdo, ela decidiu antecipar para o primeiro semestre de 2020 dois de seus cursos online que estavam programados para meses à frente. No início deste ano, lançou a Universidade Minhas Plantas, uma plataforma de aulas sobre jardinagem, com assinatura de R$ 999 por ano, que já conta com 6.400 cadastrados.

Para responder às mais de 500 dúvidas que chegam todos os dias por email ou pelas redes sociais, Carol tem agora uma equipe de oito profissionais. Antes, ela conseguia gerenciar tudo sozinha.

“A maioria das perguntas tem a ver com praga ou alguma treta com a planta. Muita gente acha que ela está com fungos, mas quase nunca o problema é esse. Em geral, é o ambiente que está escuro”, afirma Carol.

O aumento do interesse pelo cultivo também se refletiu nos resultados do mercado de plantas ornamentais e flores em vasos. O segmento registrou alta em torno de 10% em 2020, segundo Renato Opitz, diretor do Ibraflor (Instituto Brasileiro de Floricultura). “Já a parte de flores de corte, usadas para a decoração de festas, sofreu bastante e continua sofrendo”, diz.

Um fator que beneficiou o setor foi a definição do comércio de insumos agropecuários como um serviço essencial na pandemia —no estado de São Paulo, o funcionamento desses estabelecimentos foi liberado a partir do fim de abril de 2020.

Ilustração de mulher regando plantas
Segundo pesquisa Datafolha, 73% dos paulistanos estão cuidando de plantas ou animais - Amanda Milanez

No Shopping Garden, com três lojas na capital paulista, houve um crescimento de 20% nas vendas de plantas e flores no ano passado em comparação com 2019. A maior procura foi por itens relacionados ao cultivo de hortas, afirma o gerente comercial, Rodrigo Xavier de Oliveira.

A alta na demanda gerou uma elevação no valor de algumas espécies. Orquídeas, cactos e suculentas, por exemplo, chegaram a ter um aumento de aproximadamente 25%, estima o diretor do Ibraflor.

“Tínhamos a expectativa de que os preços voltariam ao patamar de antes, mas isso ainda não aconteceu”, diz Vanessa Guerreiro, dona da Botânica e Tal, que vende plantas, vasos e acessórios de jardinagem.

Desde outubro, a marca funciona dentro de uma loja de sapatos veganos em Pinheiros. Quando veio a quarentena, a Botânica e Tal tinha um ano de vida e ficava dentro de um café na região central, que não resistiu à crise.

No susto, Vanessa migrou para as redes sociais, que hoje correspondem a dois terços das vendas. Mesmo com todos os percalços, o faturamento da loja cresceu 23% no ano passado em relação a 2019.

“Fechadas no apartamento, as pessoas perceberam o quanto o contato com a natureza faz falta”, afirma ela.

O confinamento também impulsionou a busca por um bicho de estimação. Segundo o Datafolha, 17% dos paulistanos adotaram ou compraram um animal na pandemia —os mais comuns são cães (8%) e gatos (6%). Os índices foram ainda mais altos entre os jovens de 16 a 24 anos (29%) e os de 25 a 34 anos (26%).

A produtora Déborah Moreno Rodrigues, 26, sempre teve vontade de ter um bichinho, mas adiava o plano por causa da rotina atribulada. Durante a quarentena, ela terminou o namoro e se viu sozinha no seu apartamento, na Pompeia.

Passou, então, a seguir perfis de ONGs de resgate de animais nas redes sociais, na busca por um cachorro. Até que, em 17 de julho do ano passado, sua mãe fez uma chamada de vídeo para lhe mostrar uma cadela que estava disponível em uma feira de adoção.

No mesmo dia, Déborah trouxe para casa a Benedita, uma cachorrinha sem raça definida, com idade estimada em seis anos, resgatada de uma situação de maus tratos. Ela chegou com ferimentos e muito assustada, mas, aos poucos, foi perdendo o medo.

Déborah Moreno Rodrigues com sua cachorrinha, a Benedita
Déborah Moreno Rodrigues com sua cachorrinha, a Benedita - Arquivo pessoal

“Hoje, a Dita é minha maior companhia, ela mudou a minha vida”, diz Déborah.

“Eu estava isolada, só falando com as pessoas por telefone, num nível que dava vontade de bater a cabeça na parede. Ela chegou para me mostrar que, apesar da pandemia, a vida tem que continuar.”

Assumindo com orgulho o rótulo de mãe de pet, Déborah criou uma conta no Instagram para Benedita (@aditabenedita) “só para mostrar como ela é linda”.

A estimativa é que a população de animais de estimação tenha chegado a 144,3 milhões em 2020 no país, segundo dados do Instituto Pet Brasil. O crescimento em comparação ao ano anterior foi de 2%.

“A pandemia aproximou as pessoas dos seus pets”, afirma Nelo Marraccini Neto, presidente da entidade. Ele reforça a importância da posse responsável, para que animais adotados ou comprados neste período não sejam abandonados com a crise ou a volta das atividades fora de casa.

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