Exaustos após um ano de Covid, paulistanos procuram calibrar relação com cozinha

Segundo pesquisa Datafolha, 87% dos ouvidos fazem comida em casa e 52% recorrem ao delivery

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São Paulo

Cozinhar é uma das coisas que o paulistano mais fez em casa desde que a pandemia começou. Segundo pesquisa Datafolha feita em junho, a atividade é realizada por 87% dos entrevistados. Em comparação, 82% fazem orações e meditam e 81% assistem à televisão.

Passado mais de um ano, muitos desses cozinheiros aprenderam a fazer pão, caldo de legumes e consumir menos alimentos processados. Mas a obrigação de pensar em um cardápio e preparar a comida diariamente levou muitos à exaustão.

A jornalista gaúcha Marcela Caetano Teixeira, 38, é uma delas. Até a pandemia chegar, ela nunca havia tido paciência ou talento para o fogão.

“Com a epidemia, me vi sozinha em um apartamento trabalhando e a cozinha apareceu como distração”, diz.

A meta era aprender a preparar suas comidas favoritas, para ganhar independência. “A gente percebe um poder que achava que não tinha, de transformar ingredientes em algo saboroso”, afirma.

A intimidade com a cozinha permitiu que ela economizasse e comesse melhor —até que surgiu uma certa impaciência com a tarefa. “Chegou um momento em que não conseguia mais olhar a louça para lavar. Cozinhar começou como um prazer, mas acabou se transformando em obrigação”, diz.

A pandemia levou as pessoas ao esgotamento e esse estado pode tirar o brilho de tarefas que antes eram vistas como prazerosas, diz Fabiano Moulin, médico-assistente do departamento de neurologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).


Uma das recomendações do médico para esta situação é, caso possível, não cozinhar ou criar intervalos para realizar a atividade. “É preciso avaliar a necessidade e o benefício de manter a prática. Neste momento de cansaço, é importante saber direcionar a nossa energia, que está baixa.”

Mergulhada na tarefa de fazer seus dois restaurantes em São Paulo, Chou e Futuro Refeitório, operarem em delivery na pandemia, a chef Gabriela Barretto usou com frequência o serviço de entrega para se alimentar.

De acordo com a pesquisa Datafolha, 52% dos paulistanos estão comprando refeições para receber em casa.

“Cozinhar entrou para o ‘to do list’ da pandemia. A pessoa pensa: ‘Todo mundo está fazendo, eu preciso fazer também”, diz Barretto, autora do livro “Como Cozinhar sua Preguiça” (Melhoramentos, 208 págs.)
Para a chef, muitos cozinheiros enfrentam uma autocobrança, potencializada pelas redes sociais, para preparar refeições complexas.

“Aprendi com a escritora M. F. K. Fisher [1908-1992] a fazer uma investigação do que faz sentido para você. Um ovo, um picles e uma sardinha em cima de uma torrada podem ser um jantar e você não precisa se sentir mal por isso. Precisamos recalibrar nossa relação com a cozinha, para ela ser mais justa e possível”, diz.

Como sugestão para descomplicar, a chef recomenda abastecer a despensa com ingredientes naturais, mas de de durabilidade alta e que podem ser convertidos em diferentes receitas —como grão-de-bico em lata, que vira sopa, salada e homus.

Temperos também ajudam na tarefa de deixar receitas simples mais saborosas, a exemplo de óleo de gergelim, tahine, manteiga de amendoim e shoyu. Os dois últimos itens, diz a chef, podem ser misturados com mel para fazer um molho para salada.

Antes de fazer um curso de cozinha na Escola Nova Gourmet, em São Bernardo do Campo (ABC), os jantares da empresária Amanda Benitez Gobbi, 25, se resumiam a pão, manteiga e queijo. Mas as aulas ajudaram Amanda, que é vegetariana, a ter repertório.

“Para mim, uma receita precisa ser rápida para ser acessível. Cozinhar conforta, distrai, mas não dá para romantizar. É preciso ter consciência que é uma tarefa árdua”, diz.

Quando chega em casa depois do trabalho, por volta das 23h, ela costuma preparar pratos como crepes de folhas de couve e creme de palmito.

Além disso, Amanda também cozinha e congela no final de semana caldo de legumes e grãos, para usar quando a rotina está corrida.

Escolher um dia para cozinhar e congelar itens como molho de tomate, almôndega, sopa e carne moída é uma recomendação que a culinarista e escritora Pat Feldman, 44, costuma dar. “Você gasta quase o mesmo tempo para fazer um quilo ou cinco de molho de tomate. Quando você estiver morrendo de preguiça, vai abrir o freezer e ter comida.”

Segundo Feldman, alguns ingredientes comprados congelados, como milho e ervilha, têm pouca diferença de sabor e textura, já outros vegetais, como brócolis, podem perder características —mas servem em situações de emergência. “O ideal é comprar fresco, mas nem sempre é possível”, diz.

Segundo o Datafolha, 43% dos paulistanos estão comprando alimentos congelados, contra 38% do ano passado.

Durante a pandemia, a cozinheira conta que seu livro, “30 Dias de Comida de Verdade” (258 págs.), em que ensina cardápios variados para um mês, chegou a ter um aumento de 45% nas vendas na versão digital. “É uma pista de como as pessoas estão. Elas começaram a cozinhar e aí sumiram as ideias”, afirma.

Escolher uma receita descomplicada, diz ela, não é tão fácil. Ela recomenda prestar atenção na lista de ingredientes e no passo a passo. “Às vezes, uma coisa é fácil de comer, mas não é de fazer.”

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