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Sob pressão, empresas se engajam em ações sociais na pandemia

Diante de consumidores mais críticos, companhias se viram obrigadas a adotar um tipo de capitalismo mais consciente

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São Paulo

A pandemia ceifou mais de 4 milhões de vidas, expôs grandes desigualdades e reforçou o movimento de que uma nova forma de capitalismo —melhor e mais abrangente— precisa ser adotada.

No Fórum Econômico Mundial, realizado no ano passado em Davos, um manifesto divulgado tinha, entre os principais pontos, a adoção do stakeholder capitalism (capitalismo das partes interessadas). O modelo leva em consideração como as companhias conseguem impactar não só seus investidores e acionistas, mas também funcionários, fornecedores, o governo, os consumidores, entre outros.

“O capitalismo que conhecemos após a Segunda Guerra, em que a única responsabilidade das empresas é maximizar o lucro ao acionista, criou desigualdades e levou a um impacto ambiental muito grande”, diz Hugo Bethlem, co-fundador e presidente do Conselho do Instituto Capitalismo Consciente Brasil.

O movimento, nascido nos Estados Unidos, defende que geração de valor social, e não o lucro, é o principal objetivo de uma companhia. “A livre iniciativa, a competitividade e a meritocracia continuam válidos, o que muda é como se mede [o sucesso de uma empresa]. O lucro é imprescindível, mas deve ser reflexo de um propósito, uma ação maior”, diz Bethlem.

Só no ano passado, o número de corporações associadas ao instituto no país dobrou, chegando a 200 empresas —para associar-se, as empresas se comprometem a se guiarem pelos pilares do movimento, mas o instituto não fornece certificados.

Numa linha semelhante, outro tópico na agenda de gestores é a sigla ESG, que diz respeito à cartilha que prega a adoção de melhores práticas ambientais, sociais e de governança em negócios ou investimentos. “Não são mais questões acessórias, mas inerentes ao negócio”, diz Rafael Benke, presidente da Proactiva, consultoria de ESG.

Ilustração mostra representante do G7 discursando, uma pessoa sendo vacinada e um avião carregando vacinas em direção ao mapa da África
Fido Nesti

A aplicação desta tríade seria benéfica para o negócio porque faz uma análise de riscos, aponta como endereçá-los e cria novas oportunidades. “Quem ficar para trás pagará um preço alto, seja uma empresa ou um país”, avalia Benke.

Para Ricardo Neves, autor de livros sobre inovação e que faz consultoria a empresas e organizações que querem mudar o seu sistema de negócio, o movimento não significa que as empresas ficaram “boazinhas”. “São crianças mal educadas, que se acostumaram a um mundo que não cabe mais. A única forma de educá-las é através da pressão e da conscientização.”

Em seu trabalho, conta, muitos profissionais ainda têm dificuldade de entender o conceito ESG, e enxergam o movimento com ceticismo, como se fosse um modismo.

Mas as pressões por mudança já chegaram, lideradas principalmente pelas gerações millennial e Z que escolhem empresas, para consumir ou para trabalhar, alinhadas com seus propósitos. Ele ressalta, porém, que não é que elas sejam “mais virtuosas que as [gerações] anteriores, simplesmente sabem que não vão herdar nada se o modelo atual continuar.”

A livre iniciativa, a competitividade e a meritocracia continuam válidos, o que muda é como se mede [o sucesso de uma empresa]. O lucro é imprescindível, mas deve ser reflexo de um propósito maior

Hugo Bethlem


co-fundador e presidente do Instituto Capitalismo do Bem

Para Luciana Nicola, superintendente de relações institucionais do Itaú-Unibanco, não há mais como falar em performance sustentável sem levar em consideração os aspectos ESG, ao mesmo tempo em que os “vetores de pressão vêm subindo a régua”.

“A pandemia trouxe o olhar de que você não existe de forma isolada, e os desafios ainda vão durar por muito tempo. Não existe vacina para o crescimento da desigualdade social ou para a quantidade de pessoas passando fome”, diz.

A empresa liderou a iniciativa Todos pela Saúde, que contou com a doação de R$ 1 bilhão do banco para combate à pandemia e formou uma aliança de especialistas de para gerir o recurso. Pensando além das ações de emergência, o projeto prevê deixar como legado a construção de um centro de estudos para identificação de doenças virais com potencial para gerar novas pandemias.

A iniciativa não é isolada. A crise sanitária mobilizou companhias de diversos setores a abrirem seus bolsos com doações que vão desde alimentos até EPIs, máquinas hospitalares e e construções de hospitais de campanha—e que ganharam ainda mais relevância em momentos quando o governo demorou a agir.

Enquanto as ações da Coca-Cola no combate à Covid-19 já somam R$ 55 milhões, as da SulAmérica vão na casa dos R$ 16 milhões, a Vivo destinou R$ 36,6 milhões em saúde e segurança alimentar, a Klabin desembolsou mais de R$ 34 milhões em iniciativas em mais de 30 municípios e a Braskem direcionou cerca de R$ 8 milhões em 2020—exemplos de uma lista longa.

Os montantes saltam aos olhos, mas Hugo Bethlem diz que são ainda baixos quando comparado ao lucro das empresas. O capitalismo consciente, diz ele, não acredita em pura filantropia, e é preciso ações contínuas mais efetivas no combate às desigualdades, como dar oportunidades de primeiro emprego. “Quando os principais programas de trainee do país exigiam inglês fluente, escola de primeira linha, 99,2% dos selecionados eram brancos héteros.”

Os cavaleiros do Apocalipse de hoje, segundo Neves, são a questão climática, a ambiental, a desigualdade e a erosão da confiança mútua da sociedade. E o ESG, diz, vem como uma maneira de pensar que no final é um “ganha-ganha”.​

Mas o Brasil, concordam os especialistas, ainda precisa tratar o tema de maneira estrutural. “Quando um analista financeiro chega numa empresa ainda foca no retorno financeiro e, para cumprir tabela, vê quantas mulheres estão em cargos de liderança e como estão as emissões de carbono”, diz Bethlem.

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