Descrição de chapéu Folhajus

Testemunhas que ficaram 'reféns' no Jacarezinho não viram armas com criminosos mortos

Laudo não indicou confronto em morte de duas vítimas na favela; policiais afirmam que eles apontaram arma

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Rio de Janeiro

Duas testemunhas que declararam ter ficado por cinco horas como reféns de 2 dos 27 homens mortos pela polícia em maio na favela do Jacarezinho, na zona norte do Rio de Janeiro, não descreveram em depoimento à Polícia Civil a presença de qualquer arma com eles.

Laudo da perícia feita no local em que Isaac Pinheiro de Oliveira, 22, e Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23, foram baleados não encontrou indícios de confronto. Os agentes afirmam que os dois apontaram pistolas contra eles —duas armas foram apreendidas—, mas mudaram detalhes de suas versões num intervalo de uma semana.

A dupla foi morta no terceiro andar de um edifício na rua São Manuel, onde as testemunhas moravam com a família. O apartamento foi um dos 12 pontos da favela onde houve homicídios provocados pela polícia na operação, a mais letal da história do estado, com 28 mortos —incluindo um policial civil.

De acordo com os depoimentos das duas testemunhas à Delegacia de Homicídios (DH), os bandidos invadiram o imóvel às 7h, uma hora após o início da operação, entrando pela laje do prédio. Um estava gravemente ferido e o outro, com lesões leves, segundo os relatos.

Pai e filha, cujos nomes são mantidos sob sigilo por razões de segurança, permaneceram no local com Isaac e Richard até as 12h30. Os dois afirmam que foram impedidos de sair pelos criminosos, mas não descreveram o uso de armas ou violência por eles, segundo os depoimentos a que a Folha teve acesso.

“A declarante e sua família imploravam para que eles saíssem da sua casa. ‘Caco’ e ‘Irmãozão’ [apelidos atribuídos aos dois] não ameaçavam sua família, apenas pediam para que eles ficassem no local para que a polícia não adentrasse no imóvel”, afirmou a mulher, segundo o documento.

Num trecho do depoimento, ela diz que viu um dos criminosos esconder algo embaixo da cama da mãe. Ela declarou não saber do que se tratava.

“Eles [Isaac e Richard] ficaram como se fossem donos da casa, transitando de um lado para o outro. Por volta das 12h30, a declarante ouviu policiais batendo em sua porta. A declarante e sua família, conseguiram sair do 3º andar para o 2º. Os meliantes tentaram impedir, agarrando a sua família, sendo que conseguiram se desvencilhar no momento em que policiais arrombaram o portão de sua residência”, continua o relato.

O pai afirma que “os elementos impediam a saída do declarante e de seus familiares do local”. Contudo, assim como a filha, não menciona armamentos.

Os dois termos de depoimento não deixam claro se a pergunta sobre a presença de armas com os bandidos foi feita ou não.

O procedimento difere do adotado com testemunhas de outra residência na qual seis pessoas foram mortas pela polícia. Nesse caso, a DH descreveu em detalhes no termo de depoimento a versão dos moradores do apartamento, segundo os quais o grupo estava fortemente armado, inclusive com um fuzil.

A perícia feita no apartamento da rua São Manuel não encontrou evidências de confronto a partir das marcas de disparos nas paredes.

“Não foram encontrados vestígios claros e característicos de situação de confronto no interior do apartamento”, afirma o laudo.

Os peritos afirmam que a análise dos vestígios no local do crime foi prejudicada pela retirada dos corpos antes da sua chegada. Os policiais disseram à DH que os dois tinham sinais de vida e, por isso, os levaram para o hospital.

Os agentes afirmam não saber se Isaac e Richard atiraram. Eles declararam à DH que se depararam com os dois apontando pistolas contra eles assim que abriram a porta de um cômodo da casa.

Os dois depoimentos prestados pelos agentes no intervalo de uma semana, contudo, têm ligeiras diferenças.

No dia da operação, 6 de maio, eles afirmaram que Richard tentava sair do cômodo assim que um deles abriu a porta, sofrendo imediatamente o disparo. Isaac estaria no fundo do mesmo espaço, tendo sido baleado logo em seguida.

No dia 13 de maio, uma semana depois, os dois agentes voltaram a prestar depoimento. Desta vez, eles afirmam que tanto Richard quanto Isaac estavam no ambiente e apontaram juntos suas armas quando o policial abriu a porta. Não há mais referência à tentativa de saída de nenhuma das vítimas.

Richard foi atingido por seis disparos, segundo o laudo cadavérico elaborado pelo IML (Instituto Médico Legal). Quatro atingiram o tórax, sendo um lateralmente, outros dois nos braços.

Isaac sofreu ao menos quatro disparos que atingiram lateralmente seu braço e corpo, segundo o IML.

Além da apuração da DH, o Ministério Público estadual montou uma força-tarefa para conduzir uma investigação independente. A Promotoria ouviu familiares das vítimas, testemunhas das ocorrências e fará o mesmo com os policiais envolvidos.

A operação no Jacarezinho teve como objetivo, segundo a Polícia Civil, o cumprimento de 21 mandados de prisão contra pessoas denunciadas sob acusação de associação ao tráfico de drogas. O vínculo com a facção criminosa foi estabelecido por meio de fotos com armas em redes sociais.

A troca de tiros perdurou por mais de cinco horas. Os policiais entraram em ao menos cinco casas de moradores atrás de supostos bandidos, que pularam lajes das residências. Ao fim do dia, ruas e casas da favela estavam repletas de marcas de tiros e sangue.

Dos 28 mortos, um era o policial civil André Frias, 48, atingido no início da operação. A Polícia Civil diz que todas as outras vítimas atiraram contra os agentes e tinham antecedentes criminais, alguns deles antigos, ou vínculo com o tráfico confirmado por parentes. Três eram alvo dos mandados de prisão.

Parentes de alguns dos mortos, porém, alegam que eles não eram envolvidos com a facção criminosa que atua na favela. A Defensoria Pública afirma que há relatos de mortos que haviam se entregado para a polícia antes de serem baleados. Além disso, critica o desfazimento das cenas dos crimes antes da realização de perícia.

Na operação, seis pessoas foram presas —sendo que três eram alvo de mandados expedidos pela Justiça— e apreendidos cinco fuzis, uma submetralhadora, duas espingardas, 16 pistolas e 12 granadas.

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