Sem pagamento, ex-senador deixa defesa de viúva de miliciano ligado a Flávio Bolsonaro

Demostenes Torres negociava delação de Júlia Lotufo, que foi casada com Adriano da Nóbrega

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Rio de Janeiro

Há apenas um mês e meio na função, o ex-senador Demostenes Torres deixará, na segunda-feira (30), a defesa de Júlia Lotufo, viúva do miliciano Adriano da Nóbrega. Motivo: falta de pagamento.

A Folha apurou que Demostenes não recebeu nem a metade dos honorários acertados para que negociasse, na Justiça, um acordo de delação premiada em favor de Júlia, que é acusada de comandar a lavagem de dinheiro dos bens do miliciano, morto em fevereiro de 2020.

O miliciano Adriano Nóbrega, morto durante ação na Bahia
O miliciano Adriano Nóbrega, morto durante ação na Bahia - 16.mai.19/Divulgação/Polícia Civil

O ex-capitão foi morto num sítio em Esplanada (170 km de Salvador) em 9 de fevereiro de 2020 numa operação da Polícia Militar da Bahia com a participação de agentes fluminenses.

Segundo denúncia do Ministério Público, coube a ela a administração das atividades ilícitas de Adriano. No dia 22 de março, com a deflagração da Operação Gárgula, ela teve a prisão decretada por associação criminosa, agiotagem e lavagem de dinheiro.

Júlia ficou foragida por um mês. Ela se apresentou em 26 de abril, quando sua prisão foi convertida em domiciliar, com uso de tornozeleira eletrônica. À época, seu advogado era Délio Lins e Silva.

Demostenes assumiu a defesa de Júlia na primeira semana de julho, quando ela já negociava com o Ministério Público do Rio de Janeiro os termos de um acordo de delação premiada.

Em maio, o secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, se reuniu com o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, para encaminhar essa proposta de delação.

Então responsáveis pela investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile chegaram a se reunir com Júlia, mas apontaram inconsistências na narrativa da viúva. Com isso, a articulação foi assumida pelo promotor da 1ª Vara Criminal Especializada, Luís Augusto Soares, que atua na vara específica que julga organizações criminosas e que decretou a prisão de Júlia.

As tratativas foram acompanhadas pela chefe da Coordenadoria de Investigação de Agentes com Foro (Ciaf) do MPRJ, a delegada Ana Paula Costa Marques. Em julho, Simone e Letícia deixaram a força tarefa alegando interferências externas nas investigações. Um ofício foi encaminhado ao procurador-geral com a classificação de sigiloso. Procuradas, as promotoras não explicaram quais seriam essas interferências.

Durante as negociações, Demostenes viajou ao Rio de Janeiro para informar que a cliente incluiria um desembargador entre os delatados, remetendo o caso ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). A estratégia de Demostenes era uma aposta na distância entre Rio e Brasília como meio de reduzir a contestação da versão apresentada por Júlia.

Adriano foi companheiro de batalhão de Fabrício Queiroz, amigo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e apontado como operador financeiro da “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) na Assembleia do Rio.

O miliciano teve a ex-mulher e a mãe lotadas no gabinete de Flávio, ambas denunciadas junto com o senador sob acusação de envolvimento no esquema de desvio de dinheiro público.

Oito meses após a morte do marido, Júlia casou-se com Eduardo Vinícius Giraldes Silva, amigo de Adriano. A Folha apurou que o marido negociava o pagamento de Demostenes.

Procurador aposentado pelo Estado de Goiás, Demóstenes teve a trajetória política interrompida em 2012. Então senador, teve o mandato cassado sob acusação de envolvimento com o contraventor Carlinhos Cachoeira.

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