Moradores culpam obra por alagamento de favela em Carapicuíba

Cerca de cem pessoas teriam sido atingidas pela água poluída

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Ana Beatriz Felicio Gabriela Carvalho
Carapicuíba (SP) | Agência Mural

Foi na madrugada da última quinta-feira (12), enquanto a dona de casa Isabela Karoline de Lima Campos, 19, e os dois filhos dormiam, que a água começou a entrar.

“Foi entrando pelos cantos na parede onde antes ficava o berço. Vi a água no chão, achei estranho e coloquei ele na cama pra dormir comigo”, relembra a mãe de um bebê de cinco meses e uma menina de quatro anos.

Ela vive em um pequeno cômodo de um barraco na favela Porto de Areia, em Carapicuíba, na Grande São Paulo. “Nesses quatro dias que passaram, só foi entrando mais água, não está diminuindo”.

Atualmente no quarto, há uma cama de casal que divide espaço com uma água escura, de cheiro forte, que inviabiliza a utilização de metade do cômodo. Além dele, a casa conta com uma pequena cozinha e um banheiro.

Isabela não tem para onde ir com as crianças. Assim como ela, a maioria dos moradores atingidos pela inundação se encontram na mesma situação. Pelas vielas da ponta da favela é possível ver móveis erguidos, espremidos em cômodos que resistem secos ou para fora das casas.

De acordo com os moradores, o alagamento repentino em parte da favela aconteceu devido às obras de recuperação e aterramento da área chamada popularmente de “lagoa de Carapicuíba”. Apesar do nome, boa parte do espaço pertence à cidade de Barueri.

Nascida no início dos anos 2000, entre uma antiga cava de mineração e um lixão, a favela Porto de Areia abriga cerca de mil famílias, segundo a associação local de moradores (a estimativa da prefeitura, de 2008, contava 250).

No passado, a “lagoa”, que na verdade é essa cava, que foi inundada pelas águas poluídas do rio Tietê, já chegou a medir 62 mil metros quadrados, com 10,4 metros de profundidade média e 22 m de profundidade máxima. Porém resta pouco dela.

Há 9 anos, o Daee (Departamento de Águas de Energia Elétrica) coordena um processo de recuperação ambiental e inserção urbana no local, que já chegou, inclusive, a ser cotada para receber a futura sede da Ceagesp. A empresa responsável pela obra em andamento é a FRAL Consultoria, que está fazendo o monitoramento ambiental do aterramento.

“Eles estão aterrando a lagoa e a água está vindo tudo pro lado das famílias, que estão perdendo tudo. E não é só água também, é o lixo que tá vindo junto”, explica a líder comunitária da favela, Cleide Faria dos Santos, 50, enquanto observa a água tomando conta dos barracos aos poucos. Crianças passam correndo em meio à água suja, que em alguns momentos chega próxima à altura dos joelhos.

De uma das pontas da favela, é possível ver na água pequenas tartarugas que se aglomeram em cima de um isopor, além de vários patos e capivaras, dividindo o espaço com o lixo.

“Os animais também já não têm lugar onde ficar. A gente está pedindo pra eles 'abrirem' [valas] para escorrer a água e não temos resposta de nada. Quando vamos falar, eles maltratam a gente”.

Também com a casa atingida, o morador Paulo Henrique Almeida de Araujo, 27, relembra como era sua residência antes de ter que colocar blocos no chão para poder caminhar na água. “Aqui tinha um rack, uma televisão, um sofá, uma cama e fogão. Como é pequeno, é tudo junto, sala, quarto e cozinha.”

Desempregado e vivendo de bicos, ele mora na favela há quatro anos e conta que antes da intensificação das obras, a água da lagoa ficava cerca de 15 metros para trás.

“Na chuva de janeiro do ano passado, alagou bastante e no fim do ano também. Mas, naquela época, foi durante a chuva. Agora, eles estão tacando a terra bem perto, não precisou nem chover”.

Com o barraco completamente alagado, está pensando em ir passar uns dias na casa da mãe, em uma cidade vizinha da Grande São Paulo, e ver se encontra alguma garagem para guardar os móveis que ainda sobraram.

FALTA DE SANEAMENTO

Uma das reclamações antigas dos moradores é a irregularidade no fornecimento de luz e da água na favela. Com a falta de saneamento básico e o aterramento, a situação está ainda mais complicada para alguns deles.

A baiana Shaorienne da Silva Santos, 29, mora há quatro meses na Porto de Areia. Ela veio da Bahia e divide a casa com o irmão, a cunhada, a filha de três anos e a sobrinha de quatro –a família já vivia na região havia dois anos.

“A água começou a subir, com isso o banheiro do vizinho está enchendo. Como já está cheio, o povo está dando descarga, tomando banho e a água não está indo mais lá pra trás, tudo quanto é coisa está vindo por aqui. Até merda está vindo, todo dia eu tava jogando água aqui e varrendo pra tirar.”

Além da limpeza constante, a solução momentânea foi improvisar alguns papelões, mas os fundos do barraco já se encontram cheios de água, inclusive bem próximo ao fogão.

“Fico com medo [na hora de dormir], mas é entregar nas mãos de Deus. Já aconteceu de ficar escorrendo água, mas alagar totalmente igual agora, não. Não temos perspectiva do que vamos fazer, não faço ideia”, completa a cunhada Josieli Ferreira Almeida, 21, que mora no local há dois anos.

OUTRO LADO

Procurado pela reportagem, o Daee nega responsabilidade no problema. O departamento vinculado ao governo do estado diz que não há relação entre a obra de recuperação e os alagamentos, que podem ser decorrentes do descarte irregular de resíduos em um canal de drenagem próximo à comunidade.

Além disso, afirma que o terreno é privado e que em vistoria constatou que a empresa responsável pelo aterramento está realizando a abertura de valas de drenagem, o que reduziu em 30 centímetros o nível da água na lagoa desde sábado (14). Diz ainda que cabe à prefeitura coibir novas ocupações irregulares no entorno.

A prefeitura de Carapicuíba argumenta que, em conjunto com a Prefeitura de Barueri, está em tratativas com o Governo do Estado com o objetivo de dar assistência aos moradores da comunidade. Mas não respondeu quais são essas tratativas e nem o que será feito em relação à favela. Ressaltaram também que a falta de saneamento básico se dá por ser uma área “invadida”.

Já a Fral Consultoria e a prefeitura de Barueri disseram que não dariam declarações sobre a obra por ser um empreendimento do Governo do Estado de São Paulo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.