Descrição de chapéu Obituário Erika Soares Sallum (1976 - 2021)

Mortes: Jornalista e viajante, se reinventou no ciclismo

Erika Sallum foi repórter e depois blogueira da Folha, além de cicloativista

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São Paulo

A primeira paixão de Erika Soares Sallum foi o jornalismo. Aos 9 anos já falava nisso e, quando fez 10 ou 11, seu pai resolveu colocar as assinaturas das revistas semanais no nome da filha. “Isso foi um marco para ela”, conta seu irmão, o editor Jorge Sallum, três anos mais velho que Erika. “Porque ela se sentia na obrigação de ler.”

“Aos 15, ela havia lido mais livros que eu e o pai dela”, conta a mãe, Davina. Entrar no curso de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP dois anos depois (“em sétimo lugar”, informa a mãe), então, foi fácil para Erika.

De meados dos anos 1990 até 2000, trabalhou nos cadernos Folhateen, Ilustrada e TV Folha. Depois, após uma passagem pela Veja São Paulo, Erika viajou com seu então companheiro, o fotógrafo Victor Affaro, para Nova York. Ali, fez mestrado em relações internacionais na Universidade de Nova York e ainda trabalhou na ONU. “Não chegou a ser um emprego, mas eram 3.000 candidatos para uma vaga de estágio. E foi Erika quem conseguiu”, diz Jorge.

Erika Sallum pedala em ciclovia
Erika Sallum pedala em ciclovia - Caio Guatelli

A segunda paixão de Erika foram as viagens, em especial para lugares longínquos como o sudeste asiático, o qual passou a amar ao longo da vida. Aos 18, foi para o Japão sozinha. Durante o curso na USP, foi com uma amiga para Cuba e voltou com uma reportagem na cabeça. Foi com essa matéria que acabou entrando na Folha. “Foi contratada e nem precisou fazer trainee”, orgulha-se Davina.

Era alegre e alto astral, do tipo que fazia as pessoas ao redor rirem o tempo todo. Com o irmão, foi para o Irã. Com o companheiro, passou três meses no Chade, na África. Com a amiga jornalista Cláudia Croitor, três semanas no Vietnã. Sem falar na Tailândia, Camboja, Indonésia etc.

A terceira paixão de Erika Sallum foi a bicicleta, de forma tão avassaladora que acabou se tornando uma das principais ativistas desse universo. Primeiro curtiu a mountain bike e depois o ciclismo urbano e o de estrada. Ela soube unir as duas coisas e tornou-se editora de revistas como Go Outside e Bicycling Brasil.

Em 2017, passou a assinar o blog Ciclocosmo, nesta Folha. “Vou falar de bike de forma geral. Serão assuntos como treinamento, Tour de France, atletas novos, a história incrível de um cara que rodou 70 mil km ou até dicas de nutrição e de roupas para pedalar”, disse, na ocasião. Ela havia recém-tratado um câncer de mama, sobre o qual chegou a escrever para o site de ciclismo americano Pretty. Damned. Fast.

Pouco depois, foi atropelada na ciclovia próxima à avenida Pedroso de Moraes, na zona oeste de São Paulo. Quebrou duas costelas e a clavícula, levou muitos pontos e escreveu no blog: “C’est la vie, isso que dá não ter nascido na Itália ou na França e, mesmo assim, amar a bike e o ciclismo. Talvez você jamais consiga entender, mas pouco importa –o que vale é nosso amor incondicional pela vida, pela bicicleta, pelo esporte, mesmo em um país que nos nega tanta coisa”.

“Erika Sallum foi umas das repórteres mais criteriosas e atentas que passaram pela Folha”, diz Sérgio Dávila, diretor de Redação, que era o editor da Ilustrada quando ela trabalhou ali. “Reinventou-se como ativista no ciclismo, área em que virou referência. Vai fazer falta.”

Mulher de roupa preta, cabelos pretos presos e óculos na cabeça olha para a câmera e sorri
Erika Sallum na Vila Madalena em 2019 - Caio Guatelli

A última paixão de Erika foi o fotógrafo Caio Guatelli. Eles haviam se conhecido em 2000 nos corredores da Folha. Dezenove anos depois, se reencontraram, ambos de bicicleta, em uma estradinha de Campos do Jordão. “Nos apaixonamos ali mesmo”, conta Caio. “No dia seguinte, ela me disse que o câncer havia voltado em metástase, nos ossos. E que queria viver muito intensamente esses próximos anos.”

Dentre as coisas que aprendeu com Erika, Caio destaca que não consegue mais ir fotografar em uma periferia, publicar e esquecer o assunto. “Você precisa devolver algo, dar uma aula de fotografia, por exemplo.” Esse tipo de sentimento embalou todo o ativismo de Erika pelo ciclismo urbano. “Ela criou e batalhou por projetos como o de uma oficina de mecânicos de bicicleta voltada para a população carente na ciclovia da marginal do rio Pinheiros.”

Há cerca de um mês, Erika fez seu último passeio de bike pelo bairro Boaçava, na zona oeste da cidade. Em seguida, foi internada para não sair mais do hospital. O câncer havia se espalhado para outros órgãos. Na semana passada, ela leu com amigos passagens do “Livro Tibetano dos Mortos”. Então adormeceu. Morreu às 23h45 de sábado (14), aos 45 anos, abraçada com Caio. Foi enterrada no cemitério do Araçá no domingo.

Caio agora busca, com a ajuda das amigas e amigos ciclistas, uma homenagem com a prefeitura e/ou o governo do estado: batizar uma ciclovia da cidade com o nome de Erika Sallum. Nada mais justo.


coluna.obituario@grupofolha.com.br

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