Gestão Doria põe condenado em 2ª instância para chefiar Instituto de Criminalística

Novo diretor recorre ao STJ; Secretaria da Segurança diz que seguiu critérios técnicos

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São Paulo

A gestão João Doria (PSDB) nomeou para chefiar o IC (Instituto de Criminalística) de São Paulo, considerado o mais importante do país, o perito criminal Samuel Alves de Melo Neto, 55, condenado em segunda instância pela Justiça paulista sob a acusação de participar de esquema criminoso de investigações ilegais.

Ele ainda recorre da decisão no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Melo Neto chegou a ser demitido da polícia em 2014, mas conseguiu permanecer no cargo por força de liminar e reverteu a decisão no Tribunal de Justiça em 2019.

No mesmo acórdão, o TJ também reduziu a pena dele de cinco anos e nove meses de reclusão em regime semiaberto para três anos e dez meses de reclusão em regime aberto –pena substituída por duas medidas restritivas de direitos (não definidas na decisão).

Procurada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou, por meio de nota, que a escolha do perito seguiu critérios técnicos, a experiência e a capacidade do policial. Melo Neto não comentou.

A nomeação do perito foi publicada no último dia 30 de julho.

O Sindicato dos Peritos Criminais de São Paulo (Sinpcresp) diz ver com preocupação a indicação de Melo Neto. "O sindicato entende que a nomeação do diretor do IC é um ato administrativo de livre escolha do superintendente da Polícia Técnico-Científica, mas vê com preocupação a nomeação de um servidor sobre o qual recaem condenações criminais em 1º e 2º grau. Vale lembrar que a Lei Orgânica da Polícia reafirma que é dever do policial proceder na vida pública e particular de modo a dignificar a função."

Fachada da Superintendência da Polícia Técnico-científica de São Paulo, na zona oeste da capital paulista - Gabriel Cabral/Folhapress

O esquema que levou à condenação do perito e de outros policiais civis paulistas tornou-se público em 2005. Revelou-se então que um grupo de policiais criou duas empresas de investigações privadas e, entre outros serviços oferecidos, realizava interceptações telefônicas ilegais.

De acordo com as investigações, os policiais chegavam a cobrar de R$ 3.500 a R$ 5.000 por semana pelos grampos, em valores da época (sem correção).

"Na época, existiam várias denúncias sobre empresas de detetives particulares que estariam extrapolando os limites da lei. Assim, determinei que as denúncias fossem apuradas pelos órgãos competentes, dentro do devido inquérito policial. Foi assim que chegaram aos autores, denunciados e processados. Ao final, até onde soube, foi reconhecida a responsabilidade criminal deles”, disse a então juíza do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais), Ivana David.

De acordo com a sentença da juíza Patrícia Álvares Cruz, de dezembro de 2012, os policiais também se aproveitavam dos cargos que ocupavam para obter informações de alvos investigados pelas empresas. Melo Neto trabalhava no DHPP (departamento de homicídios), assim como o papiloscopista João Charles Ferreira, sócio dele na empresa de “Spy Cops”, ou, na tradução feita pela juíza, “tiras espiões”.

A Polícia Federal chegou a cumprir mandado de busca e apreensão na sede da empresa, quando os policiais teriam admitido as ações irregulares, segundo a PF.

“Lembro-me bem das declarações dos dois acusados. Aliás, elas foram das mais inusitadas de toda minha carreira. Com muita naturalidade, os acusados assumiram que haviam contratado interceptações telefônicas ilegais”, disse à Justiça a delegada Carla Barbi Duarte, conforme reprodução da sentença.

Os policiais, posteriormente, voltaram atrás, mas as provas contra eles foram consideradas inquestionáveis. A magistrada foi dura.

“É vergonhoso que agentes da polícia façam uso indevido da máquina estatal para aumentar seus patrimônios [...] Mas não é só: a dedicação óbvia que dedicavam às atividades paralelas que exerciam revela que, para tanto, punham em segundo plano o cumprimento das funções pelas quais eram remunerados pelo Estado”, escreveu a juíza.

Ainda de acordo com a decisão, os sócios admitiram que a empresa ligada a Melo Neto realizou, no mínimo, três interceptações dessa natureza.

“É inadmissível que, recebendo dos cofres públicos, apenas para garantir a posição que lhes proporcionava o poder necessário para a manutenção das suas atividades ilícitas, os réus tenham passado a se dedicar ao crime, desonrando a confiança que lhes depositou o Estado e, por conseguinte, a população ordeira que recolhe impostos e merece contraprestação da administração”, diz.

Embora tenha reduzido a pena de Melo Neto, o TJ considerou que as provas do processo eram suficientes para condenação. “Inevitável concluir, portanto, que era mesmo de rigor a condenação do apelante”, concluiu o desembargador Reinaldo Cintra.

Os policiais civis eram ligados, conforme as investigações, ao então delegado André Luiz Martins Di Rissio, ex-presidente da Associação dos Delegados, também condenado nesse processo.

Di Rissio perderia o cargo e, em 2010, também seria condenado a 23 anos e oito meses por suspeitas de corrupção. Ele chegou a ser preso durante investigações da PF.

A indicação de Melo Neto tornou-se um dos principais assuntos entre peritos de São Paulo. Parte deles considera inadmissível a indicação dele como chefe do IC. Dizem que uma condenação por irregularidades em investigações contraria a essência da profissão de perito.

Outros peritos entendem que, apesar de ele ter errado no passado, é um profissional capacitado, uma excelente pessoa e sem outro fato que o desabone.

Em resposta aos questionamentos enviados pela Folha, a Secretaria da Segurança Pública informou que “todas as promoções e indicações do órgão são baseadas em critérios técnicos, na experiência e na capacidade dos profissionais indicados".

“Há mais de uma década, o perito citado está à frente da assessoria técnica da SPTC, garantindo suporte técnico e administrativo aos superintendentes que se sucederam no cargo”, diz nota atribuída à Superintendência da Polícia Técnico Científica.

“Em relação ao caso citado, em 02/10/2019, o acórdão, já transitado em julgado, publicado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), afastou qualquer possibilidade de perda do cargo público em desfavor do referido servidor”, conclui a nota, sem mencionar a condenação mantida.

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