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Plano Diretor de São Paulo será discutido nos próximos meses; entenda

Projeto que regula o crescimento da cidade tem discussão prevista para este ano na Câmara Municipal

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São Paulo

O Plano Diretor da cidade de São Paulo, legislação que impõe as regras para o crescimento da cidade, tem previsão de revisão até o fim deste ano.

O atual projeto, aprovado na gestão de Fernando Haddad (PT), é válido até 2029. A gestão Ricardo Nunes (MDB) pretende fazer ajustes, conforme previsto no projeto original, neste ano.

A administração deve enviar um projeto à Câmara Municipal de São Paulo antes do fim do ano. Ao longo do projeto, deve haver uma série de consultas à população, como audiências públicas e reuniões.

O assunto deve ser prioridade a partir deste mês, com o fim do recesso na Câmara. A ideia da prefeitura é começar a fazer audiências públicas, em formato híbrido (parte presencial e outra virtual).

A discussão do projeto neste ano, porém, é cercada de polêmica. Há um movimento de centenas de entidades da sociedade civil querendo adiar a discussão até o fim da pandemia, argumentando que as medidas de isolamento social impossibilitam debater o assunto.

Por outro lado, vários outros grupos da sociedade se mobilizam para defender seus interesses, que vão de vizinhanças preocupadas com a verticalização ao mercado imobiliário.

Veja perguntas e respostas sobre o assunto:

O que é o Plano Diretor?

O Plano Diretor é o conjunto de regras que regem o crescimento da cidade. Ele visa determinar, por exemplo, locais onde é interessante que haja mais moradia, serviços ou atividade industrial.

O projeto foi aprovado em 2014, na gestão de Fernando Haddad (PT). A revisão do plano ficou prevista para este ano.

A tônica do último projeto era tentar aproximar a moradia dos eixos de transporte, melhorando a locomoção em uma cidade onde grande parte da população gasta várias horas por dia se deslocando até o trabalho.

Para atingir o objetivo, foram criados estímulos para maior aproveitamento do solo próximo dos transportes, enquanto as construções foram limitadas nos miolos dos bairros.

O plano conseguiu cumprir seu objetivo?

Dados de licenciamentos de imóveis mostram que, de fato, aumentou a moradia perto dos chamados eixos de transporte.

Um levantamento divulgado pela prefeitura feito com dados da Embraesp (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio) revelou que a quantidade de unidades habitacionais lançadas nos eixos saiu de 11%, em 2014, para 33%, em 2018.

Alguns pesquisadores afirmam que o crescimento nessas regiões privilegiou uma população com maior renda. No entanto, alguns bairros periféricos, tradicionalmente horizontalizados, também tiveram aumento de prédios nos eixos.

Isso aconteceu em bairros de classe média, como Pinheiros (zona oeste de SP), mas também em alguns distritos da periferia, como a Vila Matilde (zona leste).

Além disso, por volta de 35% das unidades licenciadas nos eixos eram de habitações de interesse social.

Então, por que revisar o Plano Diretor?

A prefeitura tem dito que a revisão é uma exigência legal e que deve ocorrer para fazer aperfeiçoamentos para se atingir o que estava previsto em 2014.

Na avaliação do secretário de Urbanismo, César Azevedo, o plano precisa passar por uma acupuntura, não uma cirurgia.

Ele citou alguns pontos que preocupam a gestão, como a proliferação de microapartamentos nos eixos de transporte, que na visão dele não seria o ideal para adensar essas regiões. Também citou a necessidade de ajustes na chamada cota de solidariedade, pela qual todos os empreendimentos imobiliários com mais de 20 mil m² de área construída são obrigados a destinar o equivalente a 10% de sua área para habitação de interesse social. Na avaliação da gestão, ela deveria funcionar melhor.

Centenas de entidades sociais e de urbanistas já se manifestaram, porém, pedindo o adiamento da discussão do plano.

Por que entidades querem adiar a discussão do plano?

Em cartas divulgadas, esses grupos afirmam que, durante a pandemia, será mais difícil discutir o plano propriamente.

Na visão deles, as audiências públicas ficariam inviabilizadas presencialmente durante a pandemia e parte da população não tem acesso a internet de qualidade para participar de eventos online.

Já a prefeitura argumenta que, com o avanço da vacinação, a pandemia vai desacelerar e permitir um modelo híbrido (presencial e virtual), para que reuniões e audiências sejam realizadas com amplo alcance.

Para as entidades, sem a pressão da sociedade civil há o risco de que sejam aprovadas mudanças que descaracterizem o plano aprovado em 2014.

O urbanista Fernando Tulio, presidente do IAB-SP (Instituto dos Arquitetos do Brasil - São Paulo), diz que há duas questões em jogo. “Um motivo que é em relação a prioridade. A prioridade da cidade nesse momento deveria fazer tudo o que fosse possível para reduzir os impactos da pandemia na vida da população paulistana. Rever o Plano Diretor não vai contribuir em nada para o enfrentamento da pandemia. O segundo ponto está ligado à questão da acessibilidade. Infelizmente, existe uma desigualdade do acesso à internet. E fazer um processo de revisão sem que parcela importante possa ter acesso aos instrumentos de participação é deixar pessoas para trás”, disse.

Que tipos de mudanças podem ocorrer?

Há diversos interesses em jogo em relação ao plano. Os mais evidentes são relacionados a demandas do setor da construção.

As principais demandas são a limitação de vagas de garagem, de prédios nos miolos dos bairros e os preços das taxas cobradas do mercado para se construir.

As vagas de garagem limitadas servem justamente para estimular o transporte público, enquanto o limite no miolo dos bairros para desestimular adensamento longe dos meios de transporte estruturais, como metrô, trens e corredores de ônibus.

Já as taxas de construção, chamadas outorgas onerosas, são cobradas para que as construtoras possam fazer imóveis acima do limite básico de cada região, melhorando o coeficiente de aproveitamento, um interesse dos empreendedores. O dinheiro é usado para obras de melhoria urbana.

O que diz a prefeitura sobre essas demandas?

​O secretário de Urbanismo e Licenciamento, Cesar Azevedo, já disse não ver necessidade na mudança das outorgas onerosas, uma vez que o mercado tem se aquecido. Essas taxas são importante meio de arrecadação na cidade, usado para fazer melhorias na estrutura urbana.

Questionado sobre a limitação de vagas de garagem nos eixos de transporte do atual Plano Diretor, alvo de críticas do mercado imobiliário, ele disse que o desestímulo aos carros é irreversível. "O caminho que a cidade adotou é um caminho de ida sem volta. Uma das diretrizes da gestão Bruno Covas é desestimular o uso dos carros, e isso deve estar previsto no Plano Diretor e no nosso DNA também", disse em sessão da Câmara, em abril.

Sobre a eventual flexibilização nos miolos dos bairros, a resposta foi menos direta. “A proposta da revisão é fazer uma avaliação do desempenho até agora dos instrumentos urbanísticos e propor, caso seja necessário, ajustes para torná-los mais efetivos. O objetivo do plano é incentivar o adensamento populacional das áreas mais estruturadas da cidade e ao mesmo tempo gerar empregos em bairros mais afastados com novas centralidades de desenvolvimento”, disse a prefeitura.

A reportagem também questionou a gestão sobre uma possível flexibilização dos limites de vagas de garagem. Neste caso, a prefeitura afirmou que a diretriz do plano é reduzir os tempos de deslocamento e estimular transporte coletivo. “A gestão atual segue esse princípio ao priorizar o transporte público coletivo e incentivar a mobilidade ativa.”

O que o mercado diz a respeito da revisão do Plano Diretor?

Claudio Bernardes, colunista da Folha e presidente do conselho consultivo do Secovi-SP (sindicato que representa o mercado imobiliário), afirmou que mais importante do que discutir qualquer detalhe técnico do plano é fazer um diagnóstico para que a sociedade discuta o assunto.

Ele citou a preocupação com a expulsão da população das áreas de maior infraestrutura na cidade, onde há maior expectativa de vida e serviços. Para o diagnóstico, o sindicato dividiu a cidade em partes, uma delas chamada de centro ampliado, com melhor infraestrutura.

“Esse centro ampliado tinha, em 1980, 36% da população. O restante estava nas franjas. Em 2020, tem só 22%. O que é mais grave? A densidade populacional na franja em 1980 era 30% menor que no centro ampliado. O que aconteceu em 2020? A densidade nessa franja é 40% maior”, disse.

Segundo ele, haverá necessidade de construção de 870 mil moradias até 2029. “Aonde nós vamos pôr esses 870 mil domicílios? Vamos continuar mantendo esse modelo de expulsão da população para fora do centro ampliado? Essa é a pergunta”, disse.

Bernardes também criticou os grupos que querem adiar a discussão do plano. “O mesmo grupo que não quer a revisão agora é o mesmo grupo que não quis a calibragem da lei de zoneamento, o mesmo grupo que não quis a revisão do Plano Diretor nos anos 2000. Então, não é um problema de pandemia”, disse.

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