Projeto 'Korea Town' apagaria história do Bom Retiro, dizem centros culturais

Para entidades, plano reduz a identidade da região de SP ao associá-la a apenas um grupo

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São Paulo

O projeto do novo cônsul-geral da República da Coreia, Insang Hwang, que visa transformar o Bom Retiro em “Korea Town”, não agradou os dirigentes da Casa do Povo, para os quais o plano exclui parte da sua população que não tem origem sul-coreana.

Em uma carta divulgada nas redes sociais, a Casa do Povo afirma que a proposta seria uma forma de “impor a presença de uma onda migratória sobre todas as outras, passadas e futuras”. A carta também foi assinada por outros centros culturais da região, como o Teatro de Contêiner Mungunzá e o Instituto Criar.

O texto também afirma que "fixar e rotular a sua identidade é reduzir a sua tão rica diversidade, apagar sua história e acabar com o próprio Bom Retiro".

A Casa do Povo é um dos exemplos desse bairro multicultural, fundado nos anos 1950 pela comunidade judaica, que se mudou para lá no período pós-Segunda Guerra e, depois, passou a conviver também com imigrantes de países como Coreia do Sul e Bolívia.

Benjamin Seroussi, diretor do centro cultural, afirma que a carta tem como objetivo reunir assinaturas de pessoas e centros culturais que também não concordam com o projeto. Ele diz que a carta servirá como ponte para abrir um diálogo com o consulado coreano.

Entre as propostas descritas no projeto da "Korea Town" estão pintura de murais, instalação de luminárias típicas, aumento da sensação de segurança nas ruas e também acréscimo da palavra Coreia ao nome da estação Tiradentes do metrô.

No manifesto, o centro cultural reconhece que a região carece de melhorias, mas afirma que as boas intenções do projeto se ancoram em problemas simples, como a falta de iluminação em algumas ruas do bairro, para se apropriar da região e transformá-la em uma “Korea Town”.

“É importantíssima a presença de coreanos, como é a dos judeus em toda a atividade econômica do bairro, assim como outros grupos que trabalham e frequentam o Bom Retiro”, diz Sarah Feldman, professora do Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo em São Carlos, que também integra o conselho diretor da Casa do Povo.

Feldman relembra que, antes mesmo de se tornar o bairro do Bom Retiro, a região já recebia estrangeiros, como durante a construção da estrada de ferro Santos-Jundiaí, a antiga São Paulo Railway Company, no século 19.

“Naquela época, vários engenheiros ingleses adquiriram chácaras para lazer, daí vieram os portugueses, italianos, judeus, gregos, armênios, egípcios, e, mais recentemente, os grupos latinos e africanos”, afirma a arquiteta, que analisa que é a característica multicultural que faz com que o Bom Retiro seja valorizado.

Feldman alerta ainda que a manifestação da Casa do Povo é importante devido ao "momento de transformação que a cidade de São Paulo enfrenta", que, segundo ela observa, tem sido de devastação de bairros decorrente do interesse imobiliário.

Procurado, o Consulado Geral da República da Coreia, por meio da assessoria de imprensa, informa que o projeto “Korea Town” prevê apenas melhorias para a região e afirma que o consulado nunca descartaria a presença de outras nacionalidades no local. Como exemplo, cita outros bairros coreanos, espalhados por cidades como Los Angeles (EUA), que também contam com a presença de templos judaicos.

Além disso, o consulado relembra que uma lei municipal promulgada em 2010 instituiu o bairro do Bom Retiro como polo cultural das tradições coreanas, o que o caracteriza como Bairro Coreano em São Paulo, a fim de ampliar a integração desses imigrantes com a sociedade paulistana.

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