Relacionamento de casal teria sido motivo para morte do menino Miguel no RS

Ministério Público denunciou mãe e companheira pelo crime mesmo sem o corpo da criança ter sido localizado

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Porto Alegre

O Ministério Público do Rio Grande do Sul denunciou à Justiça duas mulheres pela morte do morte de Miguel, de 7 anos, mesmo sem o corpo da criança ter sido localizado —a mãe do menino, Yasmin Vaz dos Santos Rodrigues, 26, e a companheira dela, Bruna Nathiele Porto da Rosa, 23.

Segundo o órgão, elas cometeram o crime porque consideravam que a criança era um entrave para o relacionamento.

As buscas pelo corpo entraram no 20º dia nesta terça-feira (17), mas as autoridades não trabalham com a possibilidade de o menino ser encontrado com vida.

Praia onde ocorrem buscas dos Bombeiros
Corpo de Bombeiros Militar do RS entrou no 20º dia de buscas por corpo do menino Miguel, no litoral do estado, nesta terça (17) - CBMRS/Divulgação

A mãe chegou a tentar registrar o desaparecimento de Miguel em uma delegacia no litoral norte do Rio Grande do Sul, no dia 29 de julho, mas acabou confessando à polícia que dopou o filho e deixou o corpo dele no rio Tramandaí, na cidade de Imbé, em seguida.

A Polícia Civil já havia indiciado o casal pelos crimes de homicídio qualificado, tortura e ocultação de cadáver. As duas mulheres estão presas —Yasmin na Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba Julieta Balestro, na região metropolitana de Porto Alegre, e Bruna no Instituto Psiquiátrico Forense, na capital do estado.

A denúncia do Ministério Público cita os três crimes e aponta ainda motivo torpe e com meio cruel, que dificultou a defesa da vítima.

A jornalistas, o subprocurador-geral de Justiça para assuntos institucionais, Júlio César de Melo, afirmou nesta terça-feira que o casal e o menino passaram a viver em Imbé neste ano e que nem os vizinhos tinham conhecimento de que havia uma criança morando na pousada que foi o último endereço deles.

“Isso revela a dificuldade em termos algum indicativo de que alguma criança estava sendo vítima de torturas, de maus tratos, que estivesse em situação de perigo”, disse ele.

“Essa situação vem mais agravada porque, como ela não era uma criança conhecida na cidade, em razão da pandemia, estava afastada da escola, as tarefas eram realizadas em casa, isso é um ingrediente que dificultou essa atuação da rede de proteção que existe, que envolve autoridades, educadores, Conselho Tutelar".

De acordo com a denúncia apresentada pelo Ministério Público, a morte do menino foi causada por uma sequência de atos, motivados pelo fato de que as mulheres responsabilizavam a criança por prejudicar o relacionamento e o consideravam “um entrave para o que supunham ser a felicidade do casal”.

O documento apresentado à Justiça afirma que a data e o horário do homicídio não foram precisamente determinados, mas que ele teria ocorrido entre os dias 26 e 29 de julho, período no qual as duas mulheres agiram “em comunhão de esforços”, em atos praticados mediante “emprego de agressão física, insuficiência de alimentação, uso de medicamento inadequado e omissão de atendimento à saúde da vítima”.

O Ministério Público diz que nesse período de tempo, houve um episódio em que a mãe arremessou a cabeça do menino contra uma parede, quebrando um azulejo com o impacto. Depois, ele foi trancado em um guarda-roupas, “com alimentação insuficiente, aplicação de medicação inadequada a uma criança e não prestação de qualquer tipo de socorro, diante do seu flagrante estado de debilidade, permitindo, assim, que houvesse as reações fisiológicas adversas que ocasionaram a morte”.

A peça aponta ainda uma janela de tempo que antecede a morte da criança, entre os dias 17 de abril e 25 de julho, período em que ele teria sido submetido a tortura, sendo mantido preso no guarda-roupas, em um poço de luz ou dentro do próprio apartamento, que ficava com portas e janelas fechadas durante todo o tempo. O menino foi negligenciado em atenção, submetido a “intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar castigo pessoal”.

“Após a prática dos atos de tortura, por já não tolerarem a presença da criança e por entenderem que aqueles eram insuficientes para elas, intencionalmente, planejaram, arquitetaram e executaram o homicídio, em uma cadeia sucessiva de atos que acarretaram seu óbito”, diz o documento.

O Ministério Público afirma ainda que as duas mulheres incorreram no crime de ocultação de cadáver, na madrugada do dia 29 de julho. O documento entregue à Justiça diz que elas “romperam as articulações dos membros inferiores e superiores do corpo” da criança para que ele coubesse na mala usada para transportá-lo até o rio, onde ele foi deixado. O objeto foi apreendido e enviado à perícia.

O trajeto percorrido por elas, desde a pousada onde viviam até este ponto, foi registrado por câmeras no caminho. Policiais também refizeram o percurso para calcular o tempo necessário para percorrê-lo.

Apesar de falar na denúncia que a ausência do corpo prejudica na identificação da causa direta da morte da criança, o promotor do caso, André Tarouco Pinto, disse a jornalistas, nesta terça, que a localização do cadáver não é determinante.

“O corpo, na situação concreta, não impede que a gente consiga chegar às conclusões, aos resultados que geraram essa denúncia. Embora não tenhamos a análise do cadáver para fazer os exames necessários, temos um conjunto de provas, um conjunto de elementos, que somados concluem de forma inarredável que houve um homicídio“, afirmou ele.

A Polícia Civil gaúcha divulgou mensagens trocadas por Bruna com a irmã, em que ela reclamava de Miguel, e vídeos que mostram ameaças dela ao menino, material encontrado no telefone celular dela, além de pesquisas que teriam sido feitas no celular de Yasmin, em que ela teria buscado, entre outras coisas, quanto tempo levava para que impressões digitais humanas saíssem na água do mar.

Também foram divulgadas imagens de um caderno com frases que o menino seria obrigado a copiar, segundo a polícia, dizendo, por exemplo, “não mereço a mamãe que eu tenho”. Um laudo do IGP (Instituto Geral de Perícias) identificou o sangue da criança em uma camiseta infantil encontrada durante as buscas no local onde eles moravam.

Camiseta encontrada em casa que menino vivia com a mãe, em Imbé (RS), tem sangue da criança, segundo laudos
Camiseta encontrada no local onde menino vivia com a mãe, em Imbé (RS), tem sangue da criança, segundo laudo - Divulgação Polícia Civil

A operação de buscas pelo Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul entrou em seu 20º dia nesta terça-feira, ainda concentrada na região da orla de dez municípios. O rio onde a mãe do menino disse à polícia ter deixado o corpo dele deságua no oceano Atlântico.

Segundo os bombeiros, as buscas seguem em Torres, Arroio do Sal, Capão da Canoa, Xangri-lá, Imbé, Tramandaí, Cidreira, Pinhal, Palmares até o Balneário de Mostardas.

A defesa de Bruna, representada pelas advogadas Fernanda Ferreira e Helena Von Wurmb, diz que nenhuma prova produzida até o momento comprova o envolvimento dela no homicídio do menino. A defesa aguarda o resultado da perícia médica da cliente para maiores posicionamentos.

As advogadas também apresentaram pedido judicial ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) para ter acesso a prontuários e atestados médicos dos tratamentos realizados por Bruna antes de se mudar para a cidade de Imbé, com a companheira e o filho dela.

O advogado que representa Yasmin, mãe de Miguel, Jean Severo, diz que a cliente se declara inocente e ela irá relatar o que ocorreu para o juiz, quando for interrogada. Ele afirma ainda que era esperado que a denúncia fosse feita nestes moldes, com estas imputações.

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