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Templos budistas ficam fechados na pandemia de Covid, mesmo com risco de falência

Preceito do cuidado com o outro é apontado como uma das razões para o veto a visitas

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O monje, de blusa preta e avental cinza, colhe uma pequena flor de cerejeira cor-de-rosa de um galho

Monge Marcos Lopes, 43, no templo Enkoji, no Vale dos Templos, em Itapecerica da Serra (Grande SP) Eduardo Knapp/Folhapress

Gabriele Maciel
Três Coroas (RS)

O silêncio na área verde de 13 mil metros quadrados, com lagos e cerejeiras, do Parque Vale dos Templos, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo, está mais intenso do que o de costume. Desde março de 2020, o local que abriga os templos budistas Enkoji e Kinkaku-ji e costumava receber centenas de turistas por mês está fechado para visitantes por causa da pandemia.

Ao contrário de católicos e evangélicos, religiosos budistas decidiram manter sem visitantes boa parte dos principais templos do país em razão da Covid-19. Dos cerca de 400 espalhados pelo Brasil, em ao menos 200 a decisão foi a de continuar com atendimentos restritos ou totalmente remotos por causa da pandemia.

Uma das principais explicações vem do próprio budismo. “A realidade da pandemia nos mostra que é preciso olhar para dentro de nós, lembrando que tudo é impermanente, que não estamos no controle e que nada dura para sempre”, diz Marcos Lopes, monge do Enkoji, templo que quase chegou à falência e espera em breve poder retomar todas as atividades.

Maior da América Latina, o tempo Zu Lai, em Cotia, também próximo a São Paulo, segue fechado para o público. No Rio de Janeiro, o Nyingma, o Centro de Estudos Budistas Bodisatva, o Dechen Ling (Nova Friburgo), o Shiwa Lha e o Eininji, entre outros, estão entre os espaços onde as cerimônias ocorrem apenas de forma remota.

A maioria alega que somente com a vacinação completa da população é que vão reabrir. Alguns reabriram a parte externa do templo, mas ainda não realizam as celebrações e retiros, como é o caso do de Foz do Iguaçu, no Paraná, que recebe turistas.

Em Brasília, o Shin Terra Pura, tombado como patrimônio histórico, voltou a oferecer os cursos de artes marciais há quatro meses porque elas ocorrem em um espaço aberto. A decisão, que não é centralizada, pode ser explicada pelo compromisso do cuidado com o outro, considerado um ponto chave no budismo.

“A postura do budismo diante da pandemia vem da ideia de compaixão, da necessidade de contribuir para uma atmosfera social construtiva que vai além da solidariedade com as vítimas da pandemia”, afirma o teólogo Frank Usarski, livre docente de ciência da religião na PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo).

Para o presidente da Federação Budista Sul-Americana, Mário Kajiwara, que também é monge do templo Honpa Hongwanji, situado na capital paulista, a restrição das atividades presenciais colabora para o fim da pandemia. “Sabemos que o governo tem flexibilizado, permitindo a realização de atividades presenciais, mas ainda estamos dando preferência a atendimentos remotos”.

Ainda de acordo com Usarski, em algumas tradições budistas a prática individual é mais importante do que a coletiva e por isso não há dependência da instituição. Nessa linha, os 64 núcleos da Soka Gakkai espalhados pelo país utilizam aplicativos de comunicação para “troca de experiências”, segundo a relações públicas da instituição, Silvana Vicente.

Assim também ocorre nos templos da escola Soto Zen, da monja Coen, e no KPG, de Brasília. “Mesmo que não seja um substituto perfeito para as atividades presenciais, significou um ganho principalmente para as pessoas que moram em outras cidades ou que tinham alguma dificuldade para se deslocar até o templo”, diz Cássio Mendes, presidente do Conselho de Administração do KPG.

Desafios financeiros

Assim como em outras religiões, a pandemia também impactou nas finanças dos templos budistas, especialmente naqueles considerados como pontos de turismo religioso.

O Zu Lai, por exemplo, chegava a receber 50 mil pessoas por ano antes da pandemia e viu a arrecadação cair drasticamente, segundo o assessor de comunicação, Aristides dos Santos.

No Khadro Ling, que fica em Três Coroas, no Rio Grande do Sul, no caminho para quem vai a Gramado, a presença de turistas era constante. “Invariavelmente eles acabavam consumindo na cafeteria e na loja do templo”, conta a professora residente, Sherab Drolma. A queda de 60% na arrecadação levou os cerca de 50 moradores a fazer trabalhos que antes terceirizavam, como cozinhar e cuidar dos jardins.

cachorro em gramado observa estátua de Buda em tamanho grande
Restauro da escultura Grande Buda em Viamão (RS), danificada por um ciclone bomba em 2020, foi paralisado por falta de verba - Shin Myo/Divulgação

Na também gaúcha Viamão, a restauração do Grande Buda, uma escultura de nove metros de altura que atraía visitantes ao templo Via Zen, foi paralisada por falta de recursos.

“Depois de passar na montanha Grande Buda, as pessoas se animavam e faziam doações e essa que era nossa principal fonte de renda cessou, deixando a associação numa situação financeira muito precária", lamenta a presidente da Associação Via Zen, Adriana Nunes Wolffenbuttel.

O Kadampa, em Cabreúva (SP), suspendeu o programa de voluntariado, que recebia cerca de dez pessoas por semana vindas de todas as partes do mundo, e o Shin Budista, de Brasília, viu as reservas minguarem depois de não realizar a quermesse O-bon que ocorria em agosto e atraía 2.000 pessoas.

O templo Chen Tien reabriu em função da pressão das agências de turismo. “Geralmente eles vendem um pacote turístico completo de Foz, que inclui a visita no templo. Mas antes da pandemia recebíamos de 3.000 a 5.000 pessoas em um final de semana e agora a média é de 50, porque as fronteiras estão fechadas”, afirma a gerente do templo, Mônica Chen.

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