Descrição de chapéu Coronavírus

Periferia de SP teme que reabertura sem controle leve a nova onda de Covid

Região foi a que teve mais mortes causadas pela doença na cidade

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Cleberson Santos
São Paulo | Agência Mural

Toda vez que o produtor cultural Lenon Farias, 24, encontra algum morador do Jardim São Luís, na periferia da zona sul de São Paulo, ele ouve sempre a mesma pergunta: “e aí, quando vão voltar as coisas?”

As coisas, no caso, são as atividades do Bloco do Beco, um espaço cultural que está praticamente de portas fechadas desde o início da pandemia de Covid-19 —só abriu algumas vezes para distribuir cestas básicas.

“Ninguém pergunta se a gente está bem, ninguém pergunta se precisa de alguma coisa, só quando vai abrir”, relata o produtor.

Lenon Farias, produtor cultural do Bloco do Beco, espaço que decidiu continuar fechado aguardando para retomar as atividades - Adriano Vizoni/Folhapress

A decisão de manter o local fechado mesmo após o governo do estado retirar a maioria das restrições faz do bloco uma exceção na cidade, onde tem imperado um clima de “abre geral”, mesmo com os riscos da variante delta.

“No primeiro fim de semana de reabertura [dias 21 e 22 de agosto] as ruas estavam lotadas, muita gente na rua, nos restaurantes, nos comércios. Porém não foi tão diferente do que já vinha sendo”, conta o produtor.

Segundo as regras estabelecidas pela gestão de João Doria (PSDB), o novo plano permite que estabelecimentos comerciais, como bares e restaurantes, funcionem em seus horários normais e com 100% da capacidade.

Lenon, por sua vez, decidiu esperar para reabrir o espaço no Jardim Ibirapuera (também na periferia da zona sul), exatamente por temer a disseminação do coronavírus. Com isso, as atividades oferecidas no local —que incluem oficinas para crianças do bairro, aulas de percussão e apresentação no Carnaval— seguem apenas online.

A volta ainda não tem data para acontecer, mas a previsão do produtor é que ela comece ainda em setembro.

“A nossa reabertura vai ser gradual, com regras, medidas de segurança e saúde. Acho que dessa maneira a gente consegue explicitar para as pessoas que a gente não liberou geral, as coisas não voltaram ainda ao normal, mesmo que seja só questão de tempo", diz.

Além de Lenon, outras lideranças da periferia de São Paulo também relatam que as regras de restrições impostas pelo poder público durante a pandemia foram ignoradas em diversas regiões da capital —e que, com a reabertura, a situação pode sair ainda mais do controle.

No Itaim Paulista, zona leste da capital, o assessor de comunicação Cesar Vieira, 38, reforça a sensação de relaxamento. Ele conta que um bar próximo à sua casa promoveu uma festa de aniversário no domingo (22): “Chuto que havia entre 50 e 70 pessoas num lugar que cabem no máximo 10, a galera foi para a rua mesmo”.

Essa sensação de “liberou geral” é a principal preocupação de Gilson Rodrigues, líder comunitário em Paraisópolis, a segunda maior favela da capital

“A maioria das comunidades não seguiram 100% dos fechamentos que foram impostos”, avalia. “As pessoas tinham que sobreviver e acabaram não tendo opção, porque faltou política pública de apoio ao comércio local, o auxílio emergencial ficou muito baixo, a inflação aumentou. As pessoas tiveram que escolher se mantinham seus comércios funcionando, seu trabalho ou se comiam”.

No caso específico de Paraisópolis, há ainda um agravante. Muitos moradores de outros bairros vão até a comunidade para participar de festas e bailes funk, afirma o líder comunitário.

No último sábado (28), por exemplo, as ruas do centro da favela ficaram lotadas de motos e carros. Durante o dia, lojas e outros estabelecimentos comerciais ficaram cheios de gente e, à noite, a cena se repetiu em bares e casas de show.

Apesar disso, o receio com a variante delta segue sendo visto com preocupação na periferia, onde estão os bairros que mais tiveram mortes por Covid na cidade. São os casos, por exemplo, de Sapopemba (na zona leste), Grajaú, Cidade Ademar (ambas na zona sul) e Brasilândia (zona norte) —cada um deles teve mais de mil óbitos da doença, incluindo casos confirmados e suspeitos.

Assim, o receio é que uma reabertura sem controle, aliada à chegada da delta, leve a uma nova onda de casos, que pode afetar de maneira mais dura a periferia. A isso, se soma ainda a inflação em alta e a perda de renda dos moradores durante a pandemia.

“A gente sabe que o que está sendo feito [a reabertura] é pensando na situação financeira das pessoas”, avalia Antônia Cleide, da UNAS (União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região). “O bom é essa situação da vacina, isso tem sido muito importante, tem nos trazido muita esperança, mas essa nova variante nos preocupa muito”.

Além do comércio aberto, Antônia aponta também a dificuldade para fazer as pessoas da comunidade continuarem usando máscaras nas ruas. Ela relata que já chegou a ver “quase 100% de uso de máscara” na região, mas que esse comportamento foi se perdendo nos últimos meses.

Para ela, outro problema que tem aumentado é a diminuição do uso de máscaras nas ruas. “Nós fazemos ações de entrega das cestas e as pessoas vêm sem máscara. A gente tem feito campanha, colocado faixa [nas ruas], mas tem que reforçar. Estamos indo para um ano e meio de pandemia, tem essa coisa de cansaço também nas pessoas. E o governo federal tem um papel muito mesquinho, contribui para essa falta de prevenção”, diz Antonia..

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