“Alguns resolvem sofrer para depois se assumirem. Eu resolvi me assumir logo, já que iria sofrer. Sou negra, forte, nordestina, brasileira e sou travesti”. A frase é de Janaina Lima, ativista e importante referência na luta pelos direitos da população LGBTQIA+.
Força e coragem ela tinha de sobra para levantar a bandeira da diversidade na luta contra a discriminação e a travestifobia.
“Por trás de uma guerreira, estava uma mulher companheira, humana, que se doava às pessoas. Janaina era inexplicável", afirma a gerente de loja, Maria Lucenilda de Lima Pontes, 48, sua irmã.
Natural de Araruna, na Paraíba, antes de se assumir publicamente, chamava-se Edson Rodrigues de Lima. Quando decidiu pela mudança, preparou a família. Começou pela mãe.
“Ela era delicada ao ponto de tomar cuidado para não machucar as pessoas. Aos 17 anos, Janaina saiu de casa e resolveu morar sozinha. Após três meses, ligou para a minha mãe e marcou um encontro. Na ocasião, descreveu a forma como iria vestida e disse a ela que o Edson não estaria ali, mas alguém transformada. O amor de mãe foi tão importante que a partir daquele dia minha irmã nunca mais deixou de ser Janaina ”, conta Maria Lucenilda.
Ao lado da família, Janaina deixou a Paraíba aos dois anos de idade. Mudou-se para Salto (a 101 km de SP), onde permaneceu até os 12, e depois para Campinas (a 93 km de SP). Lá, começou a trabalhar como profissional do sexo. Formou-se em pedagogia e entrou para a militância nos anos 2000 ao integrar o grupo Identidade, no município.
A ativista trabalhou no Centro de Referência e Defesa da Diversidade Brunna Valin, coordenou o Programa Transcidadania, da Prefeitura de São Paulo, e atuou na coordenação de Políticas para LGBT e na Rede Trans Brasil.
O servidor público Felipe Oliva, 38, lembra da amiga como uma pessoa independente, mas muito presente. “Ativa nos grupos da sociedade civil, Janaina mantinha boa interlocução com o poder público. Dona de consciência crítica, exigia respeito e que a população LGBT fosse ouvida. Janaina era inspiradora”, diz.
Em 2012, ela foi eleita representante da população travesti no Conselho Municipal de Atenção à Diversidade Sexual paulistano. Durante seu mandato, exerceu a presidência —primeira vez que o conselho foi presidido por uma travesti.
“Nós éramos muito amigas. Ela me ensinou muito pessoalmente. Foi defensora árdua da identidade travesti, dos direitos e das conquistas”, diz Symmy Larrat, 43, presidente da ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos).
“Janaina foi uma das pioneiras na organização política das mulheres transexuais e travestis e abriu portas para militantes e ativistas que vieram depois. Ela é a simbologia de que travestis podem ocupar cargos políticos e têm algo de qualidade a apresentar para a sociedade”, completa Symmy.
Janaina morreu dia 3 de setembro, aos 45 anos, após sofrer um infarto. Deixa cinco irmãos.
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