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Entenda onda de violência que impõe medo na fronteira do Brasil com o Paraguai

Região tem histórico de atentados, assassinatos, morte de policiais e presença de facções criminosas brasileiras

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Ponta Porã (MS)

Uma onda de violência na fronteira do Brasil com o Paraguai impôs uma rotina de medo e fez com que autoridades dos dois países se mexessem para tentar combater a ação do narcotráfico na região.

O alerta cresceu na última semana quando uma chacina no sábado (10) deixou quatro pessoas mortas em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia na fronteira, incluindo duas estudantes de medicina brasileiras. No outro lado da fronteira, um vereador de Ponta Porã (MS) foi morto quando andava de bicicleta.

Forças policiais reforçaram segurança na fronteira entre Brasil e Paraguai - Adriano Vizoni - 14.out.2021/Folhapress

Os assassinatos se somam a mortes de policiais e atentados contra políticos, a maioria dos crimes no lado paraguaio. No entanto, a ação de facções brasileiras na região costuma permear, direta ou indiretamente, boa parte dessas ações na região.

Os casos ainda são investigados e as polícias paraguaia e brasileira fecharam um acordo para operações conjuntas, bloqueios nas vias e compartilhamento de informações com objetivo de coibir a ação dos grupos criminosos de ambos os lados da fronteira.

Veja perguntas e respostas sobre o tema.

O que se sabe sobre os motivos da chacina que matou estudantes brasileiras? O grupo saía de uma boate no sábado (10) e entrava em um carro quando foi surpreendido por criminosos fortemente armados, que dispararam mais de 100 tiros de fuzil.

Na ocasião, morreram Osmar Vicente Álvarez Grance, 32, conhecido como Bebeto; Hayllee Carolina Acevedo Yunis, filha do governador do estado paraguaio de Amambay; e as brasileiras Rhannya Jamilly Borges de Oliveira e Kalline Reinoso de Oliveira, todas estudantes de medicina.

​A polícia já chegou à conclusão que o alvo do crime era Bebeto. A primeira linha de investigação era de que o crime tivesse sido praticado a mando do PCC, em um acerto de contas. A suspeita era que ele tivesse delatado criminosos da facção, o que resultou na prisão de 14 pessoas.

Nesta semana, porém, a polícia mudou seu foco de investigação. O principal suspeito, agora, é um narcotraficante paraguaio, Faustino Ramón Aguayo Cabanas.

A polícia local fez uma operação dentro da penitenciária de Pedro Juan Caballero e encontrou o traficante e a namorada, Mirna Romero, filha de um político local, vivendo em uma cela VIP.

As motivações cogitadas são desde uma dívida a um crime passional, uma vez que a namorada do narcotraficante teria tido um relacionamento com Bebeto.

O que a polícia já descobriu sobre o caso do vereador assassinado? O vereador Farid Afif (DEM) foi morto na sexta-feira (9) quando andava de bicicleta. A polícia ainda não apontou a autoria deste caso, mas descarta que haja relação com o crime que deixou quatro mortos em Pedro Juan Caballero.

A investigação aponta que criminosos monitoravam o político naquele dia. No entanto, a forma como o crime aconteceu não lembra a ação de matadores profissionais. Ele foi baleado por apenas uma pessoa em uma moto (matadores costumam agir ao menos em duplas) e apenas um tiro o acertou.

Por que há tantos crimes na fronteira? A região é um importante corredores para o tráfico de drogas internacional, dominado por facções criminosas do Brasil.

Como não há qualquer barreira física ou controle para passar de um lado a outro, o controle da região vira um ativo importante para mega organizações criminosas.

Em Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, o PCC predomina desde a morte, em 2016, do antigo "rei da fronteira", Jorge Rafaat.

Vários suspeitos de liderarem a atuação do PCC no Paraguai foram presos nos últimos anos. Em março, Weslley Neres Dos Santos, vulgo Bebezão, foi preso no Paraguai. Ele era tido como substituto de outro criminoso, Giovanni Barbosa da Silva, o Bonitão, também preso.

Atualmente, segundo policiais ouvidos pela Folha, ainda não surgiu nenhum nome que se destaque como os anteriores.

A menos de 100 km dali, na fronteira entre a cidade de Coronel Sapucaia (MS) e Capitan Bado, a ação é do CV (Comando Vermelho). Segundo investigadores ouvidos, essa rota é mais usada para o tráfico de maconha, enquanto a de Pedro Juan Caballero é predominantemente de cocaína.

Apelidada de “rota caipira”, um dos principais corredores de cocaína sai de Mato Grosso do Sul rumo ao interior do estado de São Paulo, com o transporte dos produtos sendo feito tanto por rodovias quanto por aviões. Em São Paulo, ainda há escoamento da droga para a Europa, por meio do porto de Santos.

A presença das facções na fronteira é acompanhada por ataques a rivais e acertos de contas internos —como, por exemplo, assassinatos de parceiros que estão em dívida ou que sejam suspeitos de terem se tornado delatores.

Só há facções brasileiras agindo na fronteira? Não. Embora mais poderosos, os grupos brasileiros não são os únicos que agem por ali.

Há traficantes independentes que atuam em parceria com os brasileiros e também facções paraguaias, entre as quais está o Clã Rotela, chefiado por Armando Javier Rotela. Conhecido por atuar no microtráfico, que utiliza mulas, o grupo já teve confronto contra o PCC em um presídio paraguaio.

Há indícios de que haja alguma atuação de um grupo guerrilheiro, o EPP (Exército do Povo Paraguaio), que teria se aliado ao PCC.

Há mortes também atribuídas a uma organização conhecida como Justiceiros da Fronteira, que atuaria como uma espécie de grupo de extermínio.

Quem são os Justiceiros da Fronteira? Autores de aproximadamente cem mortes na região na fronteira, eles costumam deixar bilhetes atribuindo crimes, principalmente roubos, às vítimas.

Entre os casos mais recentes, estão a morte dos brasileiros Robson e Jeferson Martinez de Souza, em agosto, em Pedro Juan Caballero. Em julho, Matheus Armoa e a namorada, Isabel Centurion, foram mortos em uma choperia da cidade paraguaia. Ao lado dos corpos, foi deixado um papel "Favor não roubar. Ass: Justiceiros da Fronteira".

Para muitos policiais que conversaram com a reportagem, boa parte desses crimes são praticados pelos próprios criminosos do narcotráfico, com objetivo de coibir roubos na fronteira e evitar chamar a atenção da polícia.

A polícia não descarta, porém, que parte dos casos sejam grupos da população revidando crimes cometidos em suas vizinhanças. Nesse contexto, também surgiram crimes em represália à ação dos justiceiros.

Em setembro, esse outro grupo deixou um bilhete, ao lado de um corpo decapitado em Pedro Juan Caballero: “Nós do crime estamos deixando claro que não iremos mais admitir covardias cometidas por esses justiceiros, seja quem for. Assinado: crime”.

O que as autoridades brasileiras e paraguaias estão fazendo para resolver o problema? Autoridades policiais dos dois países se reuniram na quinta (14) para tratar de meios para coibir e investigar crimes na fronteira.

Entre as possibilidades estão a criação de bloqueios, operações conjuntas simultâneas em ambos os países e compartilhamento de conteúdo de investigações.

“Temos a criminalidade instalada nos dois países. Se não houver essa colaboração das duas polícias, a gente tem muitas dificuldades em conter a criminalidade, pela facilidade de acesso e de transição de um país para outro”, disse à Folha a subcomandante da Polícia Militar em Ponta Porã, major Luciane Caniato.

O monitoramento da região, no entanto, permanece um grande desafio. A reportagem conversou com várias autoridades paraguaias que afirmaram não ter nem sequer poder bélico para combater os bem armados traficantes brasileiros.

As ações de inteligência no país vizinho já resultaram em várias prisões de chefões do PCC, que são prontamente substituídos, sem que se afete o quadro geral.

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