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Governos estaduais reduzem gastos com educação apesar de aumento de receita

Estados seguraram recursos em vez de investir para retomada das aulas, indica estudo

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São Paulo

Governos estaduais têm segurado recursos disponíveis para a educação, apesar do aumento de suas receitas e da necessidade de investimentos para a reabertura das escolas, de acordo com um novo estudo sobre os gastos dos estados durante a pandemia do coronavírus.

O levantamento sugere que a maioria dos governos estaduais deixou a educação em segundo plano, aproveitando o período de suspensão das aulas presenciais para economizar o dinheiro em caixa em vez de usá-lo para reformar escolas e se preparar para receber os alunos de volta neste ano.

"Não houve prioridade para a educação, apesar dos desafios criados pela pandemia", diz a economista Úrsula Peres, da Universidade de São Paulo, coordenadora do grupo que fez o estudo, ligado à Rede de Pesquisa Solidária. "Falta coordenação nacional e planejamento das ações dos estados."

Segundo o trabalho, as despesas com educação caíram 6,4% no primeiro semestre de 2020, em comparação com o primeiro semestre de 2019, e voltaram a diminuir no primeiro semestre deste ano, com queda de 1%. Desde 2019, a redução foi de 7,4% em termos reais, já descontada a inflação.

Alagoas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Sergipe foram os estados em que as despesas com educação mais encolheram nesse período, conforme o levantamento. Somente nove estados aumentaram gastos na área, entre eles Ceará, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Recursos repassados pelo governo federal no ano passado permitiram que os estados compensassem as perdas de arrecadação que sofreram com a crise econômica causada pela primeira onda da Covid-19. Neste ano, suas receitas aumentaram com a alta dos combustíveis e das contas de luz.

Os pesquisadores calculam que as receitas dos estados e do Distrito Federal cresceram 10% em termos reais no primeiro semestre deste ano, em comparação com as obtidas no mesmo período do ano passado. A arrecadação do ICMS, principal tributo recolhido pelos estados, aumentou 19%.

Apesar da situação financeira favorável, os estados têm sido conservadores na administração dos recursos. Os gastos com saúde aumentaram 16% no primeiro semestre do ano passado, em comparação com igual período de 2019. Neste ano, eles ficaram estáveis, com aumento de apenas 0,4%.

O levantamento considerou apenas as despesas liquidadas, ou seja, aquelas em que houve efetivo desembolso de recursos para pagamento de pessoal, fornecedores e outros itens. Em geral, os governos concentram no segundo semestre do ano a execução das despesas previstas nos seus orçamentos.

"A falta de investimentos nas escolas pode comprometer a segurança da retomada das atividades presenciais e dificulta a recuperação do atraso de aprendizado ocorrido durante a pandemia", afirma Peres. "Isso tende a agravar os problemas decorrentes da paralisação das aulas no ano passado."

Segundo o Censo Escolar de 2020, não há banheiros em 6% das escolas da rede estadual do país e falta conexão de banda larga com a internet em 24%. Alguns estados em que a redução das despesas foi maior também figuram entre os que têm infraestrutura mais precária, notam os pesquisadores.

Com a retomada das aulas presenciais neste semestre, vários governadores anunciaram medidas para trazer de volta estudantes que se afastaram das escolas no auge da pandemia e fornecer computadores e chips de celular a professores e alunos que não conseguiram participar de atividades remotas.

Mas nem sempre essas iniciativas têm sido acompanhadas de recursos adicionais, afirmam os pesquisadores. Além disso, dificuldades burocráticas e a recente edição de uma nova Lei de Licitações têm sido apontadas pelos administradores como razão para atrasos na contratação de obras e serviços.

Em São Paulo, as despesas com educação sofreram redução de 6,4% desde o início da pandemia. O governo estadual anunciou em agosto que destinará R$ 1,2 bilhão a um programa que repassa recursos diretamente às escolas neste e no próximo ano, mas o valor é inferior ao distribuído nos últimos anos.

Os autores do estudo calculam que, em 2019 e 2020, o governo paulista enviou por meio desse programa R$ 1,7 bilhão para as escolas, em valores corrigidos pela inflação. Neste ano, foram distribuídos R$ 343 milhões até 30 de setembro, o equivalente a 28% do total de recursos prometidos.

"As escolas que receberem esse dinheiro nos últimos meses do ano terão dificuldades para gastar com a agilidade necessária", diz Fabio Pereira, pesquisador que participou do estudo. "O repasse desses recursos alivia pressões políticas, mas pode não alcançar os resultados almejados."

Neste domingo (10), a Secretaria da Educação de São Paulo afirmou que toda a verba anunciada em agosto será repassada neste ano e haverá mais no próximo. "O valor se refere ao ano de 2021, mas foi anunciado como 2021/2022, pois as escolas têm a autonomia de não usar todo o valor no ano corrente", disse, por meio de nota.

A Constituição Federal determina que os estados apliquem em educação no mínimo 25% das suas receitas com impostos. Com a redução das despesas durante a pandemia, muitos estados terão dificuldades para cumprir a exigência e poderão ter problemas com os auditores dos tribunais de contas.

Para evitar que isso aconteça, o Senado aprovou em setembro uma emenda constitucional que isenta estados e municípios e permite que compensem a diferença até 2023. A mudança ainda precisa ser aprovada em dois turnos pela Câmara dos Deputados para ser promulgada e entrar em vigor.

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