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Quatro em cada dez meninas não sabem ao certo como identificar notícias falsas

Pesquisa aponta que 22% das jovens brasileiras questionaram necessidade da vacinação contra Covid devido à desinformação

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São Paulo

Ao menos quatro de cada dez meninas e jovens mulheres brasileiras não sabem ao certo como identificar as notícias falsas que circulam nas redes sociais, em aplicativos de mensagens e em sites que promovem desinformação.

Destas, 6% não sabem diferenciar uma notícia falsa de uma verdadeira, enquanto outras 56% afirmam que conseguem identificar quando se deparam com desinformação online.

Os dados fazem parte da pesquisa “Verdades e mentiras: as meninas na era da desinformação e das fake news”, conduzido pela ONG Plan International, que analisa o impacto das notícias falsas na vida de meninas e jovens mulheres.

Silhueta de uma mulher negra de perfil, com camiseta azul, no canto direito da janela com a vista de São Paulo ao fundo. O céu está nublado e existem poucos prédios na parte inferior da foto, logo acima do batente da janela
Camila acredita que a disseminação de notícias falsas ficou mais intensas com o início da pandemia de Covid-19 - Zanone Fraissat/Folhapress

O levantamento entrevistou mil pessoas entre 15 e 24 anos de todo o país, com predominância para as regiões Sudeste e Nordeste.

O recorte brasileiro está dentro de um estudo com a mesma finalidade realizado em 33 países, que inclui uma fase quantitativa com mais de 26 mil entrevistadas em 26 países, e uma fase qualitativa em 18 países. Os dados globais mostram que não há uma única fonte de informação em todo o mundo que elas confiem plenamente.

"A pesquisa mostra o medo de se posicionar online. Elas falam que acabam se reservando mais com medo de ataques. Como vou me posicionar em um ambiente tão hostil, que fala tantas coisas que não são verdadeiras?”, diz Cynthia Betti, pedagoga e diretora da Plan International Brasil.

“As meninas têm que ter acesso à verdade para que elas possam tomar decisões a respeito de suas vidas com base em verdades.”

No Brasil, o impacto da desinformação é ainda maior do que o observado mundialmente. Enquanto 91% se dizem preocupadas com a disseminação de notícias falsas em escala mundial, esse valor sobe para 97% entre as meninas brasileiras. Quando o questionamento era se elas estavam extremamente preocupadas com o assunto, 62% das brasileiras responderam que sim, enquanto o índice global ficou em 40%.

"Aqui nós sempre temos os maiores índices quando eles são ruins. O brasileiro é um povo online, as meninas são muito conectadas. Isso acaba fazendo com que os nossos indicadores e o impacto nessas meninas seja maior do que quando a gente compara com a média global”, explica Betti.

Nove em cada dez meninas tiveram contato com notícias falsas que afetaram negativamente suas vidas. Os impactos mais comuns são mentais e emocionais. Quase metade das entrevistadas se sentiram estressadas, preocupadas ou ansiosas. Além disso, a propagação de notícias falsas também fez com que 38% delas entrassem em uma discussão com amigos ou familiares.

Camila, 20 (o sobrenome das entrevistadas não pode ser revelado por política da Plan International Brasil), moradora da periferia da cidade de São Paulo, teve que chamar a atenção de seus parentes devido a uma notícia falsa que receberam sobre a vacina contra a Covid-19. Ela explicou a eficácia e importância dos imunizantes, que eles já haviam desistido de tomar. Depois de muita insistência, ela conseguiu convencê-los. “É preciso ter paciência para explicar”, diz.

A Covid-19 foi o tema mais impactado pela desinformação —a pesquisa aponta que 72% das entrevistadas receberam alguma informação falsa sobre a doença, e que 32% acreditaram nesta informação. Isso fez com que 22% delas questionassem a necessidade de vacinação.

O contato de Camila com as notícias falsas antecedem a pandemia, embora ela acredite que tenha se intensificado após o início da crise sanitária. No começo, ela mal acreditou na força do vírus no país, até que entendeu a gravidade da situação. Teve, então, que ficar atenta às informações que recebia.

"Eu acreditava que se estava nas redes sociais, Facebook, Instagram, era verdade, eu nem questionava. Eu achava que se estava aqui, era para me informar. Eu só passava adiante", conta. "Mas agora eu sempre busco jornais online pra confirmar. Às vezes pode aparecer em blogs, no Instagram, Facebook, mas eu sempre checo nos jornais."

Assim como Camila, 65% das entrevistadas colocaram as redes de notícias profissionais como jornais, revistas e sites de jornalismo profissional como a fonte mais confiável de informação. A fonte menos confiável são os políticos, com 4% —apenas 17% delas confiam nas informações divulgadas pelo governo federal.

As meninas costumam receber as notícias falsas pelas redes sociais, aplicativos de mensagens e plataformas de compartilhamento de vídeos. O Facebook e o WhatsApp se destacam, e mais da metade das entrevistadas consideram as duas plataformas como os principais meios de disseminação de desinformação.

Para descobrir se a notícia que receberam é ou não verdadeira, a maioria (67%) das meninas que responderam ao levantamento checa as informações em outras fontes. As próprias redes sociais e os familiares são os meios em que elas mais aprendem a identificar notícias falsas. Por outro lado, nove a cada dez meninas disseram que nunca foram ensinadas a reconhecer desinformação por líderes religiosos ou comunitários.

A boa relação com sua família permite que Beatriz, 15, de São Luís (MA), converse com seus parentes sobre o tema em casa. A mãe, biomédica, traz os conhecimentos da área da saúde para que não caiam em informações falsas sobre a pandemia de Covid-19. A cada link que gera dúvida, há espaço para uma discussão.

Sem dificuldades para identificar o que é ou não desinformação, sua relação com as notícias falsas está no combate. Ativista e membro do CPA (Comitê de Participação de Adolescentes) do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), Beatriz fez um trabalho de base em sua cidade durante a pandemia, que ia desde a distribuição de alimentos, até a checagem de notícias.

“Ao mesmo tempo que nós estávamos tentando conseguir cesta básica para entregar para as comunidades periféricas, fazer mobilizações, a gente tinha que se preocupar com notícias falsas sobre a vacina, sobre a questão pública, política", conta.

Enquanto Beatriz trabalha para combater a desinformação em sua cidade, 24,1% das entrevistadas acreditam que as empresas de mídias sociais deveriam ser as principais responsáveis por combater a disseminação de notícias falsas, uma vez que são as principais plataformas de compartilhamento deste tipo de conteúdo.

Por outro lado, 21,3% também acreditam que a imprensa e a mídia devem fazer este trabalho, enquanto 14,6% atribuem esta responsabilidade ao governo.

No Facebook, Instagram, TikTok e YouTube, é possível denunciar um conteúdo caso apresente informações falsas ou enganosas. Após uma curadoria da empresa, se for concluído que a publicação contém desinformação, ela pode ser excluída da plataforma. Há também veículos de imprensa que se dedicam a verificar conteúdos falsos. Enquanto isso, não existem iniciativas do tipo no governo federal.

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