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Bloquear a tecnologia na tentativa de proteger as crianças pode sair pela culatra, diz especialista

Para Veda Woods, pais devem conciliar liberdade dos filhos ao uso de aplicativos de monitoramento

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São Paulo

Abuso e exploração sexual online de crianças e adolescentes, com envio de imagens explícitas e pedidos de fotos e vídeos, são cada vez mais comuns. Não adianta bloquear o acesso das crianças à tecnologia, porque isso só as estimulará a encontrar maneiras de burlar a proibição.

É importante deixar as crianças à vontade para conversar com os pais quando essas situações acontecerem –e, eventualmente, adotar aplicativos e software de controle parental.

Essas são as orientações de Veda Woods, especialista em cibersegurança que foi diretora de segurança da informação no governo de Barack Obama.

Veda Woods, diretora da ONG ProtectUsKids, de combate ao abuso sexual e exploração de crianças online
Veda Woods, diretora da ONG ProtectUsKids, de combate ao abuso sexual e exploração de crianças online, em foto de divulgação. - Divulgação

Fundadora e presidente da ProtectUsKids, entidade de combate ao abuso e exploração sexual online de crianças e adolescentes, Woods esteve no Brasil para lançar sua organização sem fins lucrativos, que já atua na Nigéria, Paquistão e Quênia, além de nos EUA.

Quais são situações comuns de exploração sexual online de crianças e adolescentes? Muitas vezes, os pais estão ao lado quando as crianças ou adolescentes estão recebendo, por mensagem, fotos de genitais, propostas para encontros ou pedidos de imagens. Nem todas as crianças vão dizer para seus pais que elas estão recebendo esses materiais. Crianças são curiosas. Elas acham que estão protegidas pelo anonimato, pensam que estão online, que não podem ser vistas. Então querem ver o que mais vão mandar. E elas têm medo da reação dos pais.

O importante é dar ferramentas para esses jovens tomarem decisões melhores. Porque é impossível tirar a tecnologia do mundo das crianças, ela estará cada vez mais presente, isso só vai aumentar. Mas estamos negligenciando as crianças nesse processo. Precisamos que eles entendam que, apesar de serem brilhantes, inteligentes, são crianças, são adolescentes. Eles se sentem inseguros, são vulneráveis a pressões do grupo. Antes, você tinha pressão dos amigos da escola. Agora, eles sofrem pressão de milhões de seguidores online. Se nós, adultos, às vezes temos dificuldade para diferenciar fantasia de realidade, imagine para as crianças?

Elas consomem uma quantidade de informação colossal. Então, às vezes, os pais pensam: "eu conheço minha filha, eu sei o que ela está fazendo online, eu tenho aplicativos de controle parental no celular dela, eu sei tudo o que ela faz". Sim, os pais sabem tudo o que é possível saber. Mas as crianças são curiosas, elas são atraídas por imagens. Há desenhos animados e memes que têm um apelo para crianças, mas têm todo um subtexto explícito, por exemplo. E quando a criança está online, ela está conversando com milhares de outras pessoas –sejam outras crianças, ou adultos fingindo ser crianças.

Nós, na tentativa de proteger nossos filhos, temos uma tendência de demonizar a tecnologia. Mas isso não funciona. A tecnologia é o mundo deles. Não adianta proibir. Eles vão achar maneiras de burlar e conseguir acessar, e, pior, não vão dizer nada para que os pais não proíbam.

É muito frequente crianças e adolescentes receberem mensagens impróprias ou serem alvos de pessoas que tentam seduzi-las? É muito comum. Seja em jogos online ou redes sociais, eles recebem mensagens diretas. Pessoas que nem são seguidores delas nas redes sociais podem enviar essas mensagens. Não são só adultos que enviam, há crianças mais velhas também, adolescentes. Os de 14 anos que mandam para os de 9, por exemplo. E é ainda mais perigoso com crianças e adolescentes de comunidades pobres.

Por que? Porque eles são alvo preferencial de "grooming" [aliciamento]. Adolescentes e crianças que querem ter coisas e não conseguem, como uma vida melhor. Os aliciadores se aproveitam disso. O aliciamento pode levar de alguns dias a alguns meses. O aliciador vai se tornando amigo da criança, um confidente, prometendo coisas. Eles usam muito os chats.

A gente os chama de "espreitadores", eles ficam nas conversas só observando. Como muitos jovens usam redes sociais como se fossem seus diários, expondo como se sentem, quais são seus anseios, há pessoas que ficam observando, em busca de alvos.

A partir de que idade as crianças devem ter permissão para usar redes sociais? É uma decisão pessoal dos pais. Mas eu, pessoalmente, não acho que crianças devam ter conta no TikTok, por exemplo. O essencial é os pais estabelecerem limites, da mesma maneira que há limites em casa –você diz para seus filhos que eles têm que limpar o quarto, arrumar as coisas, dizer aonde vão, a que horas voltam.

Na internet é igual, é preciso estabelecer regras para o mundo virtual. Você deve falar para o seu filho ou sua filha que, se ele ou ela receberem uma mensagem com uma foto de um pênis, eles devem parar imediatamente de falar com essa pessoa e ir conversar com você. Não adianta ter uma reação de, por exemplo, começar a gritar e confiscar o telefone do seu filho quando isso acontecer.

Mesma coisa se você surpreender seu filho assistindo a desenhos ou animes pornográficos, que são muito comuns. Muitas vezes eles vão assistir porque os amigos estão vendo e eles estão curiosos. Então é importante conversar, perguntar como a criança se sentiu, explicar porque não é adequado. Não adianta partir direto para uma punição.

E é importante que os filhos sintam essa abertura para falar com os pais, e os adultos se disponham a ter essa conversa, ainda que seja desconfortável. Porque se os pais não falarem, as crianças vão falar com alguma outra pessoa, provavelmente online. E é melhor que eles recebam os conselhos dos pais do que de alguém que tem 9 anos ou que diz ter 9 anos e, na realidade, tem 29.

Os pais devem monitorar as atividades online dos filhos? Alguns pais acham que os filhos têm direito à privacidade e que eles estariam violando esse direito ao monitorá-los. Eu não acho que seja errado você estabelecer limites e monitorar o comportamento das crianças e adolescentes online. Eles são crianças, precisam de orientação.

E é como no mundo real –enquanto eles estão na casa dos pais, precisam obedecer a regras, não podem fazer tudo o que quiserem. No mundo virtual é igual. Há software e aplicativos que não "leem" todas as conversas das crianças, mas monitoram certos termos que podem indicar conversas perigosas e disparam alertas.


Raio-X | Veda Woods,47

Nascida em Chicago, é especialista em cibersegurança e foi diretora de segurança da informação no governo de Barack Obama, de dezembro de 2009 a julho de 2015. É fundadora e presidente da ProtectUsKids, entidade de combate ao abuso e exploração sexual online de crianças e adolescentes.

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