Sem dinheiro para o ônibus, Valmir Sanches Júnior costumava andar por uma hora até o CEU (Centro Educacional Unificado) Pêra Marmelo, na zona noroeste de São Paulo, durante a adolescência.
A unidade oferecia shows e eventos gratuitos, e era a mais próxima da casa dele. "Era sensacional porque tinha teatro. Coisa que desse lado da ponte a gente nunca achou que ia ter", conta.
Aos 32 anos, o operador de logística agora é vizinho do CEU Pinheirinho D’Água, mas nunca viu uma apresentação no espaço. Os portões da unidade continuam fechados para os moradores do bairro e apenas os estudantes do local acessam o prédio.
A unidade está entre os 12 CEUs da cidade que foram inaugurados no período eleitoral de 2020 e continuam com blocos inteiros vazios —hoje, nesses centros, só aulas foram iniciadas.
A reportagem da Agência Mural visitou três dos novos CEUs. No Pinheirinho D’Água, a piscina externa está com a água esverdeada. Uma professora que dá aulas na unidade e preferiu não se identificar diz que as crianças da região já pularam as grades do CEU para se refrescar no local em dias de calor.
A unidade tem também outros equipamentos fechados para o público, como uma piscina coberta e uma biblioteca. O espaço para empréstimo de livros, no entanto, foi entregue sem nenhum exemplar e tem sido abastecido com doações dos próprios funcionários.
No CEU Carrão, na zona leste, o prédio que toma quase todo o quarteirão da rua Monte Serrat continua com o bloco cultural fechado. Do outro lado, as piscinas vazias —e aparentemente limpas— estão rodeadas por grades de segurança e com aviso para que os visitantes não ultrapassem a barreira.
A unidade do Carrão divide terreno com o Centro Esportivo Brigadeiro Eduardo Gomes. O espaço, que seria integrado ao CEU pelo projeto da prefeitura, também chegou a ficar fechado depois do término das obras no centro educacional.
Norma Sueli Torres, 62, que acompanhou de perto a construção se surpreendeu quando, depois de finalizadas as obras no local, o Centro Esportivo continuou fechado. Em setembro, ela e outros moradores da região fizeram um protesto contra a situação do espaço. A manifestação foi organizada pela Associação de Moradores do Tatuapé e reuniu mais de 200 pessoas.
Durante o ato, os moradores coletaram assinaturas para pedir a reabertura do lugar. Menos de um mês depois, a prefeitura reabriu o centro esportivo para o uso da população, que agora pode usufruir de quadras, equipamentos de ginástica, pistas de caminhada e playground.
Norma diz, no entanto, que a população ainda espera que atividades como dança de salão, boxe e ginástica em grupo sejam oferecidas ali.
SEM PARQUINHO
Na zona norte, o CEU Tremembé ainda não é usado pela população e a sala de dança segue vazia, assim como a piscina e o teatro. A unidade também não tem playground para os alunos que estudam no local. Assim, as mães e os pais das crianças organizaram uma vaquinha virtual para viabilizar a compra de brinquedos para o parquinho.
Junto com outros responsáveis, Marília Cristina Ferreira, 38, mãe do aluno João Pedro, 2, tenta arrecadar dinheiro para comprar as estruturas do playground. De acordo com ela, a escola recebeu doações de alguns brinquedos de outras instituições, mas são poucos e só comportam crianças muito pequenas.
Marília conta que matriculou o filho na escola pensando na estrutura e nas atividades que o espaço poderia oferecer, mas que ficou surpresa com os problemas que encontrou até agora.
A vaquinha virtual foi criada em outubro e até agora arrecadou menos de R$ 900. A meta é atingir R$ 18 mil para atender as necessidades dos quase 700 alunos da unidade. Caso a obra para a instalação do playground não seja autorizada pela prefeitura, o grupo pretende reverter o valor arrecadado para compra de outros brinquedos.
ADMINISTRAÇÃO PRIVADA
A prefeitura está com uma licitação em andamento para definir organizações sociais que ficarão responsáveis pela administração dos 12 CEUs que estão fechados para a população. As entidades serão responsáveis por gerir as atividades culturais e esportivas dessas unidades.
A licitação chegou a ser barrada pelo TCM (Tribunal de Contas do Município), mas foi liberada pelo órgão depois que a prefeitura modificou alguns itens do edital. As 12 unidades serão as primeiras em São Paulo a terem a gestão privada no comando dos equipamentos culturais e esportivos. As escolas instaladas nos locais continuarão, porém, sob a administração municipal.
Para a dirigente do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), Luba Melo, o atraso de um ano para abrir os CEUs ao público demonstra que a prefeitura está abandonando os centros educacionais.
O sindicato é contra a gestão privada nas 12 unidades. A concessão dos locais para organizações sociais foi defendida pelo ex-prefeito Bruno Covas (PSDB), como uma forma de economizar verbas e reduzir as demandas da prefeitura.
Os CEUs que terão a gestão concedida à iniciativa privada estão entre os 14 que tiveram as obras paralisadas durante as administrações dos prefeitos Fernando Haddad (PT) e João Doria (PSDB). Na época, nos terrenos abandonados, houve descarte irregular de lixo, além do acumulo de insetos, mato alto e ratos.
O abandono gerou uma mobilização por parte dos moradores e, em 2018, a prefeitura anunciou a retomada das obras nessas 12 unidades.
OUTRO LADO
Em nota, a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) disse que a intervenção do TCM no edital atrasou a seleção das organizações que serão responsáveis pela gestão dos CEUs e consequentemente a abertura dos espaços para o público.
Questionada sobre a água esverdeada da piscina do CEU Pinheirinho D’Água, a prefeitura afirmou que aguarda a troca da bomba d’água para a limpeza completa da piscina. "Neste período a limpeza com cloro mantém a água sem a proliferação de insetos. Reforçamos que a piscina não está aberta ao público."
Quanto à biblioteca da unidade Pinheiro D’Água, a prefeitura disse que o espaço já conta com doações de livros.
Sobre a vaquinha feita pelos pais de estudantes do CEU Tremembé, a Secretaria Municipal de Educação afirmou que o local passou por uma reorganização para receber brinquedos como escorregador, além de brinquedos pedagógicos que serão dispostos na área externa da unidade.
O que é um CEU (Centro de Educação Unificado)?
Criados desde 2002, são centros que reúnem atividades escolares, culturais e esportivas. Existem 58 unidades, 12 delas entregues em 2020.
CEUs inaugurados desde 2020 e sem atividades culturais e esportivas
CEU Cidade Tiradentes – Enedina Alves Marques
R. Salvador Vigano, 100, Conj. Habitacional Barro Branco II
CEU Freguesia – Esperança Garcia
R. Jacutiba, 167, Parque São Luis
CEU Artur Alvim – Abdias do Nascimento
R. José Balangio, 188, Arthur Alvim
CEU José Bonifácio – Francisco José do Nascimento (Dragão do Mar)
R. Professora Lucila Cerqueira, 194, Jardim São Pedro
CEU Parque do Carmo – João Cândido (Almirante Negro)
Av. Afonso Sampaio e Souza, 2001, Itaquera
CEU Parque Novo Mundo – Leônidas da Silva
Av. Ernesto Augusto Lopes, 100, Parque Vila Maria
CEU Pinheirinho D’Água – Professora Maria Beatriz Nascimento
R. João Amado Coutinho, s/n, Jaraguá
CEU São Miguel – Luiz Melodia
R. José Ferreira Crespo, 475, Jardim São Vicente
CEU Taipas – Professora Maria Beatriz Nascimento
R. João Amado Coutinho, s/n, Jaraguá
CEU Tremembé – Maria Firmina dos Reis
R. Adauto Bezerra Delgado, 94, Parque Casa de Pedra
CEU Vila Alpina – Professora Virgínia Leone Bicudo
Av. Francisco Falconi, 83, Vila Alpina
CEU Carrão – Carolina Maria de Jesus
R. Monte Serrat, 230, Tatuapé
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