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Mobilidade transporte público

É hora de defender a verticalização e enfrentar as associações de bairro

Lobby das entidades de moradores se dá em contexto de grave desigualdade econômica e disparidade de acesso ao poder

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O Plano Diretor Estratégico sancionado em 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad (PT) tinha um objetivo claro: chegara a hora de interromper décadas de espraiamento urbano. O projeto instituiu uma série de instrumentos regulatórios e incentivos para captar benefícios da atividade imobiliária através da outorga onerosa, limitar a construção de estacionamentos em edifícios e adensar os principais eixos de transporte público.

Um dos benefícios do adensamento urbano é o acesso de um maior número de pessoas aos investimentos feitos em infraestrutura e equipamentos públicos. Mais acesso a estações de metrô e terminais rodoviários, mas, também, a parques públicos, postos de saúde e saneamento básico.

Grades colocadas ao redor da Praça Pôr do Sol, em São Paulo, passaram a restringir a visitação ao local
Grades colocadas ao redor da Praça Pôr do Sol, em São Paulo, passaram a restringir a visitação ao local - Adriano Vizoni/Folhapress

Embora pareça contraintuitivo, o aumento da densidade habitacional reduz o custo de prover serviços públicos. Esse efeito, explicado pelo fenômeno de economia de escalas, é apenas uma das consequências positivas do adensamento urbano, como mostra estudo de metanálise conduzido por pesquisadores da London School of Economics. Isso traz ainda outros benefícios, como aumento de produtividade e de renda, redução de distâncias viajadas diariamente e diminuição do uso de automóveis.

Embora outrora possa ter sido diferente, o instrumento condutor do adensamento hoje é o processo de verticalização. Naturalmente existem grupos descontentes com o que enxergam como um risco aos seus tradicionais estilos de vida; descontentamento notadamente manifestado por associações de moradores dos principais bairros residenciais —e mais ricos— da cidade de São Paulo.

O interesse organizado se manifesta em participações em audiências públicas e conselhos consultivos, pressão sobre membros da Câmara de Vereadores e, no caso dos bairros Jardins, vira inscrição no Livro do Tombo com preservação explícita do traçado urbano, do loteamento e do baixo adensamento populacional.

Embora seja um instrumento legítimo de organização da sociedade civil e da atuação política, cabe lembrar que o lobby das associações de moradores se dá em um contexto de grave desigualdade econômica e disparidade de acesso ao poder. Os bairros residenciais do centro expandido de São Paulo receberam somas vultosas de investimento em infraestrutura e mobilidade urbana. Ao preservar seu baixo adensamento limita-se o acesso da parcela mais pobre da população ao que é um bem de todos.

Um exemplo recente dessa atuação de interesses particulares foi o gradeamento e imposição de horário de funcionamento da praça do Pôr do Sol, sem processo de consulta pública, a pedido da Associação de Amigos do Alto de Pinheiros. Cabe ressaltar o óbvio: a praça pertence ao público, não aos moradores do bairro.

O discurso de luta social contra interesses perversos do mercado imobiliário esconde uma realidade excludente e elitista. A decisão conjunta da sociedade e manifesta no Plano Diretor Estratégico de 2014 implica que estes bairros deveriam estar em franco processo de adensamento. Paralelamente, o que se observou no distrito de Pinheiros entre 1980 e 2010 foi uma redução de 29 mil habitantes, segundo dados do Censo. Pondo em perspectiva, a redução foi superior à ocorrida no mesmo período em qualquer dos distritos da Subprefeitura da Sé, região conhecida pelo processo de declínio populacional.

A grita contra a verticalização também se confunde com o debate a respeito do processo de gentrificação. Embora essa seja uma agenda valorosa, é importante ressaltar que os efeitos potencialmente gentrificadores de um empreendimento imobiliário são muito restritos e contrabalanceados pelo aumento da oferta de habitação.

Conforme demostrou o trabalho publicado por uma pesquisadora da Universidade da Califórnia, embora novos empreendimentos imobiliários atraiam uma população mais rica para o seu entorno imediato, há redução tanto de preços de aluguel quanto da chance de um morador ser despejado em todos os imóveis à distância de até 1 quilômetro da nova edificação.

Sob alegação da preservação de áreas com valor afetivo, da configuração original dos bairros, e dos modos de vida tradicionais, encoberta-se o que é essencialmente um subsídio à parcela mais rica da população paulistana. Ao atender aos interesses particulares das associações de bairros, abre-se mão de benefícios difusos a toda população.

É fácil cair na oposição entre o projeto suburbano, como idealizou Ebenezer Howard, e um ideário futurista de cidade constituída de arranha-céus. No entanto, o debate não pode se resumir a idealizações imagéticas. Coeficientes urbanísticos e demais mecanismos regulatórios não são objetivos em si, mas, sim, instrumentos para a construção e concretização de um projeto de cidade.

O presente debate será objeto de deliberação quando da revisão do Plano Diretor Estratégico. A palavra final será dos cidadãos; o espírito republicano exige que estejam cientes dos custos e consequências de cada alternativa.


Gabriel Nunes
Arquiteto e Urbanista (FAU-UFRJ)

Pedro Portes
Advogado especialista em direito público (PUC-MG)

Guilherme Pereira
Advogado e criador do portal São Paulo YIMBY

Andrey Barbosa
Graduando em administração e criador do portal Rio de Janeiro YIMBY

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