Inauguração do Parque Augusta, em SP, vira palco para protesto de servidores

Manifestantes aproveitaram presença do prefeito Ricardo Nunes para atacar projeto de reforma da Previdência

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São Paulo

O clima não poderia estar mais propício para marcar a data de inauguração do tão esperado Parque Augusta, na manhã deste sábado (6) ensolarado com cara de verão. Mas nem tudo são flores numa cidade tão carente de áreas de respiro.

Para a bióloga Sylvia Affonso, 41, a inauguração do parque é uma lembrança de que precisamos de mais áreas como o Augusta na cidade de São Paulo. "E não somente de ilhas verdes", afirma.

O Parque Augusta deve ser celebrado por ser uma conquista "das pessoas para as pessoas". "Entretanto, vale lembrar que ele é uma grande ilha em um local específico da cidade, onde é permitido que as construtoras envolvidas possam construir torres cada vez mais altas em outros locais", segue ela.

Affonso avalia que é preciso prestar atenção aos deslocamentos e monitorar as pessoas que serão verdadeiramente beneficiadas pelo parque. "O microclima na área, certamente, será positivamente impactado, Entretanto, o deslocamento que alguns paulistanos terão que fazer para chegar até aqui, por não possuírem a mesma área verde onde vivem, pode ser um fator poluidor."

Do extremo sul da capital, morador do Jardim Apurá, Wesley Silvestre, 34, aproveitou a inauguração do Parque Augusta para conhecer o novo espaço verde e, sobretudo, questionar as autoridades públicas sobre o "esquecimento" da criação do Parque dos Búfalos. É uma área de 550 mil metros quadrados, às margens da represa Billings, que já possui orçamento reservado para sua implantação, mas cujo processo de transformação oficial em parque encontra-se parado desde 2017, segundo ele.

Carregando uma escultura de um búfalo, Silvestre distribuiu, aos visitantes do Augusta, panfletos sobre o parque da sua região com o seguinte título: "Por que não vemos parques na periferia?" Ele mesmo trazia consigo sua versão para a resposta: "Falta vontade política. Ainda mais em regiões carentes".

Os termômetros ali no centro batiam na casa dos 28ºC, e a boliviana Tereza Machicado, 72, representante comercial, caçava um banquinho para se proteger do sol forte. "Tem poucos lugares para se sentar. E os que existem, já estão ocupados", reclamava.

"É claro que a inauguração de uma área nobre verde como essa é muito bem-vinda. São Paulo é só concreto e asfalto", disse ela, moradora da rua Augusta. "Estávamos ansiosos à espera do parque. Penso, contudo, que a prefeitura deve dar continuidade ao diálogo e seguir ouvindo os moradores para preservar o parque e melhorá-lo no que for preciso", falou, em bom português com leve sotaque.

O espaço reúne arquibancada, cachorródromo, bosque e ruínas arqueológicas. Há ainda parquinhos infantis e também uma área para instalação de redes, o chamado redário, e outro para a prática de slackline (esporte de equilíbrio que utiliza uma fita de nylon esticada entre dois pontos).

O cachorródromo, por sinal, era uma das áreas mais disputadas neste sábado inaugural. A secretária Wendy Holanda, 21, estava à espreita, aguardando por um momento de menor fluxo de animais, para entrar com o seu cão, Cromos, um chow-chow serelepe de apenas sete meses de vida.

"Tem muito cachorro por aqui. Para você ver como essa cidade é tão carente de espaços públicos", disse ela. "Não sei ao certo se é por causa da inauguração, mas achei o lugar bastante concorrido."

O Parque Augusta ocupa parte do quarteirão entre as ruas Augusta, Caio Prado e Marquês de Paranaguá, na região central de São Paulo. O local vai funcionar todos os dias, das 5h às 21h.

Depois de tantas indas e vindas, polêmicas, num drama que se arrastou por pelo menos oito anos, o parque, dono de uma área com cerca de 24 mil metros quadrados, foi oficialmente liberado ao público por volta das 10h30.

Durante a cerimônia de inauguração, representes de sindicatos dos funcionários públicos municipais acabaram ofuscando a festa que, marcada para começar às 9h, atrasou 40 minutos. Aos gritos de "abaixo o Sampaprev" e "mentiroso", um grupo com cerca de 50 manifestantes provocou tumulto, aglomeração e muita gritaria.

A professora Silvana Zuculin, 53, era uma das manifestantes que, de cartaz erguido para o alto, protestava contra o PLO (Projeto de Emenda à Lei Orgânica) 07/2021 —conhecido como Sampaprev 2—, o projeto de reforma da previdência do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Servidores municipais protestam contra mudanças no sistema previdenciário no Parque Augusta
Servidores municipais protestam contra mudanças no sistema previdenciário no Parque Augusta - Adriano Vizoni/Folhapress

Ao menos 20 manifestantes subiram ao palco logo depois da fala do prefeito, que ressaltou o respeito à democracia enquanto era vaiado. Houve bate-boca com integrantes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) e com seguranças do evento.

Outro ponto controverso, que também gerou ruído na festa de inauguração, foi a escolha do nome oficial: Parque Municipal Augusta Prefeito Bruno Covas. Ele foi o primeiro prefeito de São Paulo a morrer durante mandato, em maio deste ano, vítima de câncer no sistema digestivo.

Ana Banin, escolhida como representante do Conselho do Parque Augusta para discursar no evento, rechaçou o nome oficial.

Disse ela: "Como espaço popular e democrático, é um lugar no qual não devem se sobrepor quaisquer referências a grupos políticos, sociais, ideológicos ou religiosos –se assim fosse, não seria popular. É por isso que nós conselheiros recebemos e endossamos diversas manifestações populares para que o Parque Augusta siga sendo chamado somente de Parque Augusta, pois como tal ele nasceu e para todos nós ele é e continuará sendo sempre Parque Augusta".

Integrantes da juventude do PSDB gritaram em apoio ao nome do prefeito Bruno Covas, o qual chamaram de "o maior prefeito do Brasil".

​Para conter os ânimos exaltados e pôr fim às manifestações e aos pronunciamentos políticos, os alto-falantes passaram a tocar aquela velha canção do Premeditando o Breque, o Premê, gravada nos anos 1980, que diz assim: "É sempre lindo andar na cidade de São Paulo. O clima engana, a vida é grana em São Paulo".

Na entrada do parque pela rua Caio Prado, o corretor imobiliário Airton Knoll, 58, montou uma barraquinha para vender os "inúmeros lançamentos", palavras dele, que estão bombando na região. "Tem muita gente de fora que gostaria de se mudar para cá. Hoje, com a inauguração do parque, é uma ótima oportunidade de negócio."

Premê tinha razão.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto regitrou como "abaixo o sapatênis" um dos gritos dos servidores. O correto é "abaixo o Sampaprev".

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