Jovens lideranças cobram soluções com viés social para a crise climática

Representantes de populações vulneráveis pediram na COP26 ações concretas para lidar com desmatamento e exploração do petróleo

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Glasgow (Escócia)

Foi com as mãos tremendo que Mitzi Jonelle Tan, 24, entrou na frente de câmeras e microfones para discursar em um protesto na COP26, em Glasgow. O tema do dia era as perdas e danos causados pela crise climática, algo que a ativista filipina está acostumada a ver de perto. O país enfrenta cerca de 20 tufões todos os anos —um quarto do total mundial.

Enquanto segura o celular com o discurso em uma mão e, na outra, um cartaz que incita a derrubar o imperialismo, ela cobra o fundo prometido em 2009 pelos países ricos. A partir de 2020, deveriam dedicar US$ 100 bilhões (R$ 548 bi) por ano para ajudar os países pobres a transferir tecnologias e minimizar os riscos climáticos, mas isso ainda não foi cumprido.

"Este não é um fundo de solidariedade ou ajuda que o Norte global vai dar ao Sul. Isso é responsabilidade", diz. "São reparações que precisam ser dadas, não apenas para a redução de emissões, mas também para adaptação e para administrar as perdas e danos que já experimentamos".

À Folha, Mitzi conta que cresceu com os impactos da crise climática, mesmo sem perceber que era isso que estava vendo.

"Só de ter medo de me afogar no meu próprio quarto já é uma ansiedade climática e um trauma que ninguém deveria experimentar. As Filipinas, segundo o mais recente Índice de Risco Climático Infantil, fazem parte dos 33 países com risco extremamente alto para os impactos da crise climática, especialmente para as crianças. E ninguém deveria crescer em um mundo onde se tem medo de não ter um futuro".

Essa COP marca, por exemplo, os oito anos da passagem do supertufão Haiyan, um dos mais devastadores já registrados, que matou mais de 7.300 pessoas e deslocou outras 5 milhões no seu país natal.

Criticando a presença massiva do departamento de Finanças e a escassez de especialistas em clima na delegação oficial filipina, Mitzi classifica essa conferência como "um turbilhão de mentiras e 'greenwashing'". O termo se refere à propaganda ambiental enganosa e vem sendo usado por figuras como Greta Thunberg para definir acordos que parecem promissores, mas não são realmente implementados.

"A gente tem que ser bem crítico quando se fala nesses acordos, porque como é que eles vão acontecer de fato? Qual é o plano para que realmente esse recurso chegue aos povos originários, aqueles que estão lutando pela floresta?", questiona Txai Suruí, 24, líder indígena criticada pelo presidente Jair Bolsonaro por "atacar o Brasil" após discursar na abertura da COP26.

Em frente a um fundo azul, jovem indígena Txai Suruí discursa usando um cocar e roupas típicas na cor vermelha. No púlpito branco, estão a logo da COP26 e da UNFCCC.
Txai Suruí foi a primeira indígena a discursar na abertura de uma COP - Divulgação: UNFCC

Filha de ativistas e estudante de direito, ela acredita que existiram avanços, como a presença recorde de indígenas na delegação brasileira e os compromissos já assumidos pelos países, como o acordo pela proteção das florestas. Mas isso não é o suficiente.

"Não adianta só os países desenvolvidos dizerem que vão ajudar os povos indígenas nessa luta pelas mudanças climáticas e continuarem incentivando a destruição da Amazônia. Porque, na hora das decisões comerciais, eles não mudam e continuam comprando carne que vem de dentro de terra indígena."

Txai afirma que ainda faltam movimentos sociais sentando à mesa de negociações e participando da tomada de decisões da conferência.

"A gente vai alcançar a justiça climática quando acabar com as desigualdades sociais, porque estamos falando principalmente de pessoas. Quem mais sofre com as consequências da crise do clima são as populações mais vulneráveis, que geralmente estão na favela, que são pessoas pretas, pessoas indígenas. Então falar de mudança climática é, sim, falar de demarcação de terras indígenas. E o Brasil está indo na contramão disso", diz, referindo-se a projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, como o que institui a tese do marco temporal para a demarcação de áreas protegidas.

A luta da paiter-suruí ressoa com Helena Gualinga,19, que denuncia a exploração de petróleo na Amazônia equatoriana. Do povo Kichwa Sarayaku, ela concorda com a importância de frear o avanço da pecuária sobre a floresta, mas ressalta que existem outros problemas sérios na região.

"Costumamos esquecer o que a indústria de combustíveis fósseis está fazendo pela minha parte da Amazônia. Não apenas no Equador, mas no Peru. Há muito petróleo e mineração na Amazônia, e isso está contaminando a floresta".

A extração de petróleo na região traz, entre outras consequências, poluição, desmatamento e riscos de vazamentos. Em abril de 2020, por exemplo, o rompimento de três oleodutos derramou 15 mil galões de petróleo nos rios Napo e Coca. Além disso, obviamente, contribui para o aumento de emissões de gases de efeito estufa, agravando os impactos do aquecimento global que já aparecem por ali.

"Os padrões do tempo mudaram completamente. As ondas de calor e as chuvas são mais intensas. Temos enfrentado muitas inundações que não estavam acontecendo na nossa parte da Amazônia. Isso deixou minha comunidade sem casas, sem plantações por meses. Uma das maiores enchentes aconteceu há um ano e ainda há casas que não puderam ser reconstruídas", conta.

Helena diz que vê seu povo sofrendo há tanto tempo que não tinha opção senão fazer alguma coisa para tentar mudar essa realidade. Porém, considera que a presença da juventude indígena na COP é importante não apenas para chamar atenção para injustiças, mas também para propor soluções. "Nós sabemos como cuidar da floresta porque fazemos isso há muito tempo".

Já Marcelo Rocha, 24, volta seu olhar para as periferias das grandes cidades. Nascido em Mauá (Grande São Paulo), passou a se dedicar ao ativismo ambiental diante da vivência de problemas associados ao futuro da mudança climática —falta de água, saneamento básico e moradia—, presentes há muito tempo nas favelas brasileiras.

"Era tudo o que a gente já vivia, só não sabia dar um nome pra isso", diz. "Tudo que o Norte global teme já acontece com a gente historicamente, só que nós somos desumanizados. E, se falta hoje, onde a gente vai estar nesse futuro de 2030, 2050?"

Para ele, as pautas racial e climática estão enraizadas na estrutura da sociedade. "A ligação direta do racismo com as mudanças climáticas é perceber que esse processo de exploração das pessoas também é de exploração da natureza. Assim como exploraram o povo preto, também exploram a natureza."

Rocha defende uma reparação histórica que dê conta disso tudo, transformando números e documentos em avanços que não deixem para trás as comunidades mais vulneráveis. "É uníssono em todas as juventudes —pretas, indígenas, urbanas, rurais— o quanto a gente precisa pensar acordos que se relacionem à vida das pessoas. Pensar as políticas não só do ponto de vista do ambiental, mas também do social".

A repórter Jéssica Maes viajou a Glasgow como parte da 2021 Climate Change Media Partnership, uma bolsa de jornalismo organizada pela Internews 'Earth Journalism Network e pelo Stanley Center for Peace and Security.

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