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Justiça nega cirurgia de redesignação sexual vista como 'meramente estética'

Plano de saúde recorreu de liminar que o obrigava a custear procedimento

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São Paulo

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou um pedido para que um plano de saúde custeasse uma cirurgia de redesignação sexual. Para os desembargadores que analisaram o caso, a operadora não é obrigada a pagar por um "procedimento meramente estético".

A decisão, de integrantes da 9ª Câmara de Direito Privado da corte, atende a um pedido do plano de saúde Sul América, que havia inicialmente sido obrigado por uma decisão liminar a custear a cirurgia.

A mulher, que teve o pedido negado, já recorreu ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Uma eventual decisão nesta instância pode servir de parâmetro para ações desse tipo em todo o país.

Embora não esteja na lista de procedimentos obrigatórios da ANS, cirurgia de redesignação sexual é feita pelo SUS
Embora não esteja na lista de procedimentos obrigatórios da ANS, cirurgia de redesignação sexual é feita pelo SUS - Karime Xavier/Folhapress

A ação teve início quando o plano de saúde negou custear a cirurgia, ainda que a mulher tenha apresentado relatórios médicos e psiquiátricos comprovando que, desde criança, tinha dificuldades de identificação com o próprio corpo.

A mulher conseguiu uma decisão liminar favorável, mas o plano de saúde recorreu alegando se tratar de procedimento "meramente estético" que não consta na lista de procedimentos obrigatórios da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

A operadora argumentou que a cirurgia solicitada "aparentemente possui natureza estética e não curativa" e que a própria autora narrou que a situação e os sofrimentos decorrentes da dificuldade de identificação com o próprio corpo persistem desde sua infância.

A Folha tentou contato com a Sul América por email, mas não obteve resposta.

Em decisão do dia 30 de setembro, os desembargadores concordaram com o argumento da empresa.

O relator do caso, desembargador Galdino Toledo Júnior, diz em seu voto que, da documentação apresentada pela mulher, pode se verificar "apenas que a autora necessita de cirurgia de redesignação sexual por apresentar transexualismo, não apresentando sinais, sintomas ou indícios clínicos de transtorno mental".

"Daí porque, esse fato não lhe pode, igualmente, trazer benefícios diversos daqueles que é assegurado à pessoa que não a exerça, ou seja, aquela que conviva harmoniosamente com o corpo que nasceu", continua.

O termo "transexualismo", usado pelo desembargador, é considerado inadequado já que o sufixo remete à classificação de uma doença. Em 2018, a OMS (Organização Mundial da Saúde) retirou a transexualidade da lista de doenças mentais e passou a integrá-la na categoria de condições relacionadas à saúde sexual, exatamente para garantir direito à assistência médica.

A sentença ainda diz que, se a autora da ação está "descontente com seu corpo e quer fazer uma transformação física", deve suportar os "custos dos procedimentos a que quer se submeter, ou seja, nos casos em que estes tenham natureza exclusivamente estética".

Além do relator da sentença, o julgamento teve a participação dos desembargadores Edson Luiz de Queiroz e José Aparício Coelho Prado Neto.

Gabriela Lyra, advogada da mulher, diz que, além de não ter embasamento científico e médico, a sentença vai na contramão de decisões anteriores do próprio TJ-SP, que levaram em conta a indicação médica.

"É o caso de ações que pedem ao plano pelo custeio de medicamentos ou cirurgias de alta complexidade. São procedimentos que não estão na lista da ANS, mas o entendimento é de que a decisão médica deve prevalecer", diz Lyra.

Apesar de não constar na lista de procedimentos obrigatórios da ANS, as cirurgias de redesignação sexual são feitas pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Uma portaria de 2019 do Ministério da Saúde incluiu o tratamento de redesignação na tabela de procedimentos, medicamentos, próteses e materiais especiais.

Os procedimentos, no entanto, só podem ser feitos a quem solicitou por meio de ação judicial e tenha entre 21 e 75 anos.

Para o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do Amtigos (Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual), do Instituto de Psiquiatria do HC da USP, a decisão do TJ-SP é equivocada e não tem nenhuma sustentação científica.

"Toda a literatura médica e evidências científicas já comprovaram que a redesignação não é um procedimento estético. São procedimentos que melhoram a qualidade de vida da pessoa, diminui o isolamento, a chance de depressão, de suicídio. A decisão desconsidera todo o sofrimento da paciente."

Ele destaca ainda que por se tratar de um procedimento já feito pelo SUS deveria ser coberto também pelos planos de saúde, o que já foi garantido em outras decisões.

"A transexualidade não é uma doença, mas é preciso garantir o atendimento médico. Os planos de saúde cobrem uma série de procedimentos que não estão ligados a doenças, por exemplo um parto. O parto não é uma doença, mas exige intervenção médica."

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