Descrição de chapéu Folhajus

Mais da metade das audiências de custódia virtuais não respeita exigências da Justiça

CNJ exige câmeras 360º, monitoramento externo da sala e garantia de defesa, mas regras são ignoradas na maioria das vezes

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São Paulo

A maioria das audiências de custódia realizadas por videoconferência no país desde o início da pandemia de Covid-19 não seguem os protocolos mínimos determinados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para garantia dos direitos dos presos durante a crise sanitária.

Assinada pelo ministro Luiz Fux, que preside o CNJ e o STF, a resolução número 357, de novembro de 2020, permitiu a realização de audiências de custódia virtuais —algo criticado por especialistas— e determinou quais os requisitos obrigatórios para sua realização.

Entre eles está a garantia da privacidade da pessoa presa, fundamental para que o juiz tenha acesso a seu depoimento e possa averiguar a ocorrência ou não de maus-tratos ou de violência policial no ato da prisão. A resolução exige que a pessoa presa permaneça só na sala onde é realizada a audiência, podendo ser acompanhada somente por seu advogado ou pelo defensor público.

Preso é ouvido em sala em audiência de custódia
Preso é ouvido em audiência de custódia por meio de vídeo no Maranhão - Divulgação/Tribunal de Justiça do Maranhão

Para garantir essa exigência e evitar abusos ou constrangimentos, a resolução determina que a sala onde ocorre a videoconferência seja visualizada por inteiro pelo juiz, pelo defensor e pelo promotor por meio de várias câmeras ou de uma câmera 360º.

O texto exige ainda que a entrada da sala seja monitorada por uma câmera externa para certificação de que não há pessoas escutando o depoimento do lado de fora. Além disso, o CNJ determinou que exame de corpo de delito, que atesta a integridade física do preso e pode identificar sinais de tortura ou de maus-tratos, seja realizado antes da audiência de custódia virtual.

Um levantamento realizado pelo próprio CNJ em outubro deste ano, ao qual a Folha teve acesso, indica que mais da metade (52,9%) dos estabelecimentos que realizam audiências de custódia em 25 capitais do país (menos SP e DF) não possuem câmeras que permitem visualização de toda a sala onde a pessoa presa participa da audiência nem câmera externa para garantir sua privacidade. No interior de 17 estados da federação, esse percentual sobe para 64,7%.

Quanto à presença de câmeras externas à sala, nas capitais 52,9% dos locais não a possuem. No interior, 7 a cada 10 espaços não possuem o monitoramento externo da sala.

Além disso, informações de 13 estados apontam que apenas em 15% dos casos o exame de corpo de delito estava sempre juntado antes da audiência e que em mais de 60% dos casos a audiência foi feita com a presença de pessoas não autorizadas na sala.

"Esse dado é muito preocupante porque a presença de pessoas não autorizadas dentro da sala onde acontece a audiência de custódia por videoconferência pode ter contribuído para a coação, mesmo que implícita, da pessoa sob custódia do Estado, que pode se sentir intimidada a denunciar eventuais torturas sofridas", aponta Mariana Castro, coordenadora do núcleo de audiências de custódia da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

"Não se garantir a juntada do exame de corpo de delito em mais de 80% dos locais onde se realizam audiências de custódia por videoconferência também é muito grave porque é um documento usado para que o juiz saiba de eventuais marcas de agressões atestadas pelo perito", afirma a defensora.

"Numa videoconferência em que a pessoa não está presente na mesma sala, a câmera não é de alta definição nem cobre a integridade do corpo da pessoa, fica inviabilizada a detecção de tortura, e a audiência de custódia se converte em um teatro só para dizer que ela ocorreu formalmente", critica ela.

Para Castro, a falta de garantia da presença de um advogado ou defensor durante a audiência de custódia, detectada pelo levantamento do CNJ em cerca de 30% dos casos, é "uma supressão evidente do direito de defesa". "É uma situação muito grave e preocupante porque se trata de situação inadmissível alguém ser apresentado ao juiz sem qualquer tipo de defesa."

Segundo Janine Salles de Carvalho, secretária-executiva da Rede Justiça Criminal, que lançou nesta quinta-feira (11) estudo sobre o desmonte das audiências de custódia durante a pandemia da Covid-19, "se a realidade nas capitais já é alarmante, no interior a tendência é que o quadro seja ainda pior".

"Outro ponto que chama a atenção é que o percentual de tribunais que aderiram às audiências de custódia virtuais é muito alto: 68%", aponta ela. "É importante ressaltar que a recomendação do CNJ é muito clara ao dizer que essas audiências só poderiam ocorrer quando não fosse possível realizá-las presencialmente."

Para ela, "audiência de custódia pode videoconferência não é audiência de custódia". "Nenhuma câmera garante a captação de sinais de tortura e maus-tratos decorrentes de violência policial. Além disso, ao exigir esses requisitos, o CNJ desconsiderou que vários tribunais teriam de se equipar para poder realizar as audiências, o que implica em um aumento no uso do dinheiro público sem que se tenha feito um estudo de impacto prévio."

O coordenador do programa de enfrentamento à violência institucional da ONG Conectas Direitos Humanos, Gabriel Sampaio, afirma que "a realização de audiências de custódia por videoconferência é incompatível com sua finalidade". "Os custos e dificuldades de implementação de um modelo alternativo reforçam que o mais acertado é manter a audiência presencial. Agora que os serviços e atividades do sistema de Justiça estão sendo retomados, é urgente que seu retorno imediato seja assegurado.

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