Descrição de chapéu Obituário Marcelo Reginato (1963 - 2021)

Mortes: Artista e diretor de arte, fazia o melhor carbonara do mundo

Como diretor de arte, Marcelo Reginato foi premiado diversas vezes com o El Ojo Iberamericano

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São Paulo

"Macarrão me lembra os domingos com o meu pai cortando a massa." Num bilhetinho escrito quando era criança, Dora Rubano Reginato, hoje com 16 anos, colocou o pai em um dos rituais que ele mais apreciava.

Marcelo Reginato, pintor, escultor, diretor de arte, leitor voraz de literatura, com gosto por música, fotografia e arte, adorava mesmo comer e cozinhar. Hedonista, culto, tinha paladar exigente e visível prazer de conviver e apresentar a comida que fazia, com referências geográficas, históricas e pessoais, para os mais próximos.

E preparava o melhor carbonara do mundo! É unanimidade entre os amigos. Sempre acompanhado por vinhos sensacionais e por sua presença falante, divertida, calorosa, inteligente, engraçada e provocadora à mesa.

Marcelo Reginato (1963-2021)
Marcelo Reginato (1963-2021) - Pierre de Kerchove

Não raro a conversa, insuflada por ele, voz marcante, algumas rabugices verdadeiras e outras exageradas de propósito, se transformava em embate, que, como bem definiu um amigo, culminava com todos concordando aos berros... com ele. Depois dessas farras, Marcelo podia colocar um de seus LPs e transformar a sala de sua casa numa ótima pista. Gostava muito de dançar.

Marcelo foi jovem revelação como artista. Depois de sair do curso da Faap em São Paulo, em 1986, expôs no 2º Salão Paulista de Arte Contemporânea, foi prêmio Pirelli de Pintura Jovem, com aquisição da obra pelo Masp, e participou da 19ª Bienal Internacional de São Paulo, em 1987.

Teve "um início de carreira atípico na sua seriedade e disciplina, na sua obra sem mensagem, que planeja detalhadamente antes de executar", conforme o texto de apresentação de sua obra na Bienal.

Depois da faculdade, foi para uma temporada de estudos na Europa. Uma chance para ser assistente do artista paraibano Antonio Dias (1944-2018) o conduziu a Milão. Antonio se tornaria grande mestre e amigo.

"Marcelo é danado. Sabe tudo", dizia o artista. Marcelo participou de várias mostras na Itália nessa época. Também foi em Milão que pela primeira vez atuou como diretor de arte, para o fotógrafo Sandro Chacra.

O período na cidade reforçou seus laços com a cultura italiana, vindos dos pais. Recitava trechos da "Divina Comédia", de Dante Alighieri. Metido, brincava que era milanês. Alguns amigos o chamavam de italiano. Gostava de se vestir bem. Os colegas do cinema contam que, no set de filmagem, elegante e único, estava sempre com uma impecável camisa branca, contraste com a avacalhação geral.

Nunca deixou de lado as artes plásticas. Seu último trabalho artístico, iniciado em 2018, foi uma série limitada de chapas de cobre com os dizeres Resistência, Luta e Ruído, alusão à situação do país e ao seu enfrentamento da doença.

Os pais o influenciaram muito. Da mãe, excelente cozinheira, veio o cuidado com a alimentação e a preocupação com a comida fresca, totalmente feita em casa. Do pai, herdou o gosto pela música erudita, pelo jazz e pela literatura, que o acompanhou a vida toda.

Para Patricia, grande amor com quem Marcelo foi casado por 18 anos, suas qualidades mais marcantes eram a intensidade, o amor, a braveza, a ética e o humor ácido. "Ele era o cara da conversa. Conversávamos muito e eu dava muita risada com ele", conta ela.

Com os filhos, foi amoroso, bem-humorado e também exigente e duro. "Ele achava que não deviam ser mimados, e sim criados com autonomia e independência", relata. "Mas era cúmplice também", acrescenta. "Tinha uma loucura por bebês, e as crianças pequenas dos amigos eram apaixonadas por ele", diz Patricia.

"Aprendi tudo que eu uso na minha vida, de postura, com ele. Ele tinha tolerância zero para gente burra, incompetente, salafrária, no trabalho, na política", conta Chico, produtor musical. "Ele me ensinou a ter posição sobre as coisas", afirma.

"Quando a doença se agravou, nos aproximamos mais. E conversávamos muito de música, escutávamos junto. Há uns dois meses dei para ele um disco do Itamar [Assumpção] ao vivo no Sesc, "Às Próprias Custas", ele ficou muito emocionado e ouviu direto", diz Chico.

Marcelo prestigiava os amigos. Falava pouco de si e era curioso, perguntava do trabalho, da vida, com real interesse pelas pessoas. "Ele era paizão. Abraçava, beijava, pegava na gente, de forma muito afetuosa. Era muito marcante. O tom grave da sua voz reverberava no nosso corpo", define o artista Ricardo Carioba. Culto, leal, charmoso, engraçado, apaixonante e dono de um coração enorme são algumas das qualidades apontadas pelo amigo Gustavo Ribeiro.

Na carreira como diretor de arte, foi premiado diversas vezes com o El Ojo Iberamericano, e teve reconhecimento. "Ele era bravo para cacete. Ensinava e ajudava, mas com pulso firme. E era um gênio. Para meus amigos do audiovisual, era um sonho filmar com meu pai", relata Chico.

O último filme publicitário foi com o diretor Felipe Vellasco, parceiro de dez anos: "Marcelo era fotógrafo nato, tinha visão de artista. Era superexperiente e não tinha ego. No set, quando tínhamos uma pausa, ele arrumava um lugar para tirar uma soneca de dez minutos. Temos um monte de fotos da equipe em volta dele dormindo. Quando o acordávamos, xingava", lembra.

Marcelo enfrentou com coragem um tratamento muito duro para o câncer, que se agravou no último ano. "O cara mais valente que conheci. Suportou tudo com a maior dignidade", disse um de seus médicos em mensagem.

Marcelo deixa a mulher, Patricia, os filhos Chico e Dora, os irmãos André e Luciano, os pais Mario e Célia. E os amigos, já com saudades enormes de sua graça e generosidade, e vontade de concordar com ele, aos berros, depois de um negroni e um prato do melhor carbonara do mundo.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto afirmava incorretamente que a 2ª Bienal Internacional de São Paulo ocorreu em 1987. Naquele ano, foi realizada a 19ª edição do evento.

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