Descrição de chapéu machismo

Porto Seguro cria data para comemorar o 'Dia do Homem'

Proposta foi aprovada na Câmara e sancionada pelo prefeito; representante da OAB considera lei descabida

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Salvador

O município turístico de Porto Seguro, no sul da Bahia (a 711 km de carro de Salvador), passará a celebrar anualmente em 1º de novembro o Dia do Homem.

Sancionado pelo prefeito Jânio Natal (PL) em 28 de setembro, o projeto que resultou na lei 1702/2021 é de autoria de Eduardo Tocha, vereador eleito pelo antigo PMB (Partido da Mulher Brasileira) e missionário da Igreja Apostólica da Graça.

Conforme o texto da lei, a partir de sua sanção, fica autorizada a "utilização de escolas e demais prédios públicos para a realização de palestras, seminários, exposições e eventos correlatos promovidos pelo Executivo Municipal, versando sobre a importância do homem na sociedade".

O prefeito de Porto Seguro (BA), Jânio Natal - Reprodução/Instagram @janionatal

Além disso, a prefeitura pode firmar parcerias com os Poderes Judiciário e Legislativo e com ONGs (organizações não governamentais) para a organização de eventos com essa finalidade.

Tocha diz que a ideia do projeto de lei não faz alusão às diversas tentativas de criar, no Brasil, o Dia do Orgulho Hétero, uma delas em 2011, pelo então então deputado de federal Eduardo Cunha (MDB-RJ), sob argumento de garantir o direito de os heterossexuais não serem discriminados.

Eleito em 2020 pelo então PMB (o partigo atualmente se chama Brasil 35), o vereador não formulou, por enquanto, projeto semelhante para as mulheres do município. Ele considera haver na sociedade políticas públicas de sobra voltadas para o público feminino.

De acordo com Tocha, o objetivo da lei é instituir políticas públicas voltadas à saúde do homem sob diversos aspectos, devido ao papel que este exerce na sociedade, no trabalho, nos cuidados com a família, motivos que pesam, a seu ver, na responsabilidade sobre o sexo masculino.

"Temos um cuidado muito grande pela mulher, que já tem diversas ações públicas voltadas para ela. Estamos estudando o que elaborar para a mulher", diz o vereador. "Nós estamos motivando o Executivo a olhar mais o homem, em diversos serviços das nossas secretarias, sobretudo na saúde."

"Sou evangélico e nosso segmento preza muito o homem. Tudo quanto é problema incide no homem e queremos mudar isso", acrescenta ele. "[A lei] vai abrir portas para orientar os homens a se cuidarem mais, em todos os âmbitos das suas vidas, nas áreas financeira, educação, família."

'Lei descabida'

Para a presidente da comissão de proteção aos direitos das mulheres na seccional baiana da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Renata Deiró, a lei é totalmente descabida, "porque o Dia do Homem, cujos privilégios já são conhecidos, é todos os dias".

Deiró considera que, embora as mulheres formem a maioria da população brasileira, são os homens, em especial os brancos, que ocupam o topo da pirâmide social. Nesse sentido, ela prossegue, não são impostas barreiras aos pertencentes ao sexo masculino devido à condição de gênero.

"A sociedade já os coloca em posição de destaque todos os dias, apesar de as mulheres serem maioria em números, são minoria política", afirma ela. "As mulheres precisam brigar por espaços, sejam de poder, de valorização, de colocação no mercado e, principalmente, pela vida."

Os homens desfrutam de privilégios seculares, quiçá milenares, amplamente consolidados em meio a diversos sistemas culturais, afirma a advogada. "Aos olhos da ciência, todo mundo é humano, mas não podemos deixar de enxergar as diferenças de tratamento impostas aos demais gêneros, nem dissociar a questão biológica da social."

Para Deiró, institucionalizar o Dia do Homem é o mesmo que negar toda uma cultura patriarcal, machista, que permeia a sociedade brasileira, no sentido de estabelecer uma pauta intencional de desqualificar a luta das mulheres sob todos os aspectos.

"Contra a violência, contra o feminicídio, pela educação, pelos espaços de tomadas de decisão. É uma iniciativa populista", afirma ela. "Ele está falando para o público que quer ouvi-lo, para eleitores conservadores que buscam desqualificar a trajetória das mulheres."

Procurado pela Folha por meio da assessoria de comunicação, o prefeito Jânio Natal não se manifestou sobre os motivos que o levaram a sancionar a lei aprovada na Câmara de Porto Seguro.

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