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Investigação precisa esclarecer se operação em Varginha foi ação policial ou política

É pouco crível supor operações em que a polícia alega confronto sem até aqui elementos que suportem este argumento

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Renato Sérgio de Lima

Diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

A morte de 26 pessoas em duas operações simultâneas em Varginha, sul de Minas Gerais, por ações conjuntas da Polícia Militar do estado e da Polícia Rodoviária Federal, é daquelas situações que nos fazem relembrar o quanto a segurança pública é um assunto muito mal resolvido e permeado por narrativas que disputam legitimidade junto à opinião pública, independentemente de fatos e/ou leis.

Em primeiro lugar, é inegável que o fenômeno conhecido como "novo cangaço" tem despertado pânico na população e se mostrado uma modalidade de crime que precisa ser reconsiderada na construção da política criminal brasileira. Não é razoável tipificá-la como um mero roubo.

Fuzis, metralhadoras, escopetas, munição de diversos calibres, explosivos coletes a prova de bala e um veículo
Ação conjunta entre PM-MG e PRF apreendeu grande arsenal com suspeitos - Divulgação/Polícia Rodoviária Federal

Trata-se de um crime que envolve quase sempre as mesmas características: ser realizado em cidades de médio porte; no final do mês, quando o sistema bancário precisa ter mais dinheiro em circulação dado o período de pagamento de salários; praticado por indivíduos com carreiras delinquentes longas e experientes, que não se acanham diante dos riscos associados e/ou da possibilidade de confronto; e ações que se dão pelo uso de táticas de guerrilha, armas de grande poder bélico e de explosivos.

Ou seja, trata-se de um crime que demanda alto nível de sofisticação por parte dos criminosos e que não pode ser minimizado ou relativizado. Até por isso, o resultado das operações em Varginha suscita enormes dúvidas.

Inicialmente, toda e qualquer operação policial que envolve morte precisa ser revisada com cuidado, na medida em que a morte é uma possibilidade da atividade policial, porém como exceção —e não como regra. Não há autorização prévia para que a força letal seja utilizada. É preciso que ela seja precedida não pelo "caráter" de quem é alvo da polícia, mas de condições fáticas de legítima defesa e impossibilidade de outra medida. Justiça e justiçamento são coisas muito diferentes.

Afirmar isso não é ser "defensor de bandido" ou desvalorizar os policiais e sim acreditar no Estado de Direito. Afinal, dado o preparo e a experiência atribuída aos suspeitos e cuja investigação policial irá confirmar, é pouco crível supor duas operações em que a polícia alega confronto sem que existam até aqui elementos que suportem este argumento.

Além disso, os locais das ações não foram preservados e dificilmente a perícia forense irá conseguir reconstituir com exatidão os acontecimentos.

É preciso que as investigações esclareçam se as operações não foram influenciadas por variáveis políticas ou planejadas como uma espécie de "troia", a controversa tática de emboscada e que não tem nada de meritória ou louvável, como nos ensinou a Operação Castelinho, realizada pela PM de São Paulo em 2002, às vésperas das eleições gerais daquele ano, e que resultou na morte de 12 pessoas e a denúncia, pelo Ministério Público, de 53 PMs por homicídio.

É preciso olhar para os episódios de modo conectado às dinâmicas criminais atuais e, ao mesmo tempo, à exploração política que eles costumam gerar por parte de líderes populistas. Vendo as manifestações das autoridades, como as do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), ou do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), é preciso saber se houve decisão política e de comando para que as polícias agissem desta forma.

Desta forma, vale jogar luz ao papel da Polícia Rodoviária Federal. A PRF tem sido elo estratégico do sistema de inteligência de segurança pública do país e, se foi ela que identificou que Varginha seria alvo, é estranho que a existência de olheiros não tenha sido antecipada e mitigada.

Já o Bope da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) possui, por sua vez, preparo e destreza para forçar a rendição dos criminosos sem que os policiais corressem riscos ainda maiores do que os que a profissão já embute.

Por que isso não ocorreu é a pergunta técnica que precisa ser respondida pelos ministérios públicos federal e estadual, que não podem ficar circunscritos à análise da conduta individual de cada policial mobilizado nas operações.

Outro ponto a ser considerado é que Minas Gerais é, de acordo com a 15ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, publicada em julho último, a unidade da federação com a segunda menor taxa de mortes decorrentes de intervenção policial do país, com 0,6 vítima para cada grupo de 100 mil habitantes.

As operações de Varginha são exceções e, enquanto tal, precisam ser minuciosamente analisadas, já que o uso político do episódio feito nas redes sociais pode servir como suporte para a reversão do padrão de atuação da PMMG até aqui existente.

Por tudo isso, ver políticos como Eduardo Bolsonaro comemorando as mortes em Varginha me fez lembrar que o bolsonarismo em nada inova na retórica do confronto e é uma versão mais chula e vulgar do malufismo, que nos deixou de legado o bordão "bandido bom é bandido morto", síntese macabra que legitima e que ainda rege muitas das representações sociais sobre como as polícias devem atuar ante a violência e a criminalidade.

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