Descrição de chapéu Folhajus boate kiss

Em julgamento da Kiss, defesas criticam Promotoria e usam mensagem psicografada de vítima

No nono dia do júri, advogados criticaram acusação por dolo eventual na tragédia

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Porto Alegre

No julgamento da boate Kiss, três defesas pediram a absolvição dos réus pelas 242 mortes ocorridas no incêndio e uma a desclassificação do crime por dolo eventual. Para a acusação, o dolo se configurou porque os réus assumiram riscos levando à tragédia.

As falas das defesas ocorreram em Porto Alegre na noite desta quinta-feira (9), nono dia do júri que se tornou o mais longo da história do Judiciário gaúcho. O processo foi desaforado de Santa Maria a Porto Alegre a pedido de defesas que questionaram se a cidade onde ocorreu a tragédia teria júri imparcial, já que boa parte da população foi afetada.

Nesta sexta (10), o Ministério Público terá sua réplica. No meio da tarde, jurados devem ir para a sala secreta para votar.

O advogado Jean Severo (sentado, sem máscara), defensor do réu Luciano Bonilha, durante julgamento da boate Kiss - Juliano Verardi - 3.dez.21/TJ-RS/Divulgação

A acusação teve duas horas e meia para defender a condenação dos quatro réus. São eles os sócios da Kiss, Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, o vocalista da Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, e o assistente de palco da banda, Luciano Bonilha Leão.

O uso do artefato pirotécnico em espaço fechado, a lotação da casa e a colocação da espuma que liberou gases tóxicos são os pontos principais que, segundo a Promotoria, configurariam o crime de homicídio e tentativa de homicídio com dolo eventual.

Veja abaixo as teses das defesas.

Defesa de Elissandro Spohr, sócio-proprietário da Kiss

A defesa de Spohr foi a única a pedir apenas a desclassificação do dolo eventual. Em um aparte posterior, o advogado Jader Marques disse que a desclassificação apenas tira a decisão das mãos dos jurados, cabendo ao magistrado definir crime e pena.

Para defender a tese, foram exibidos um vídeo antigo em que ele conversa com pais de vítimas da tragédia e diz que não quer que seu cliente seja absolvido e trechos de depoimentos prestados por diversas pessoas no próprio júri. Entre eles estão o de um funcionário da Kiss que ajudou a colocar a espuma e disse que não sabia que era inflamável e o do dono de uma casa noturna que contou ter o mesmo produto no local, vistoriado pelos bombeiros.

"O raciocínio que é feito é que o Kiko colocou uma espuma assassina. A gente só sabe disso depois. Eu não posso condenar alguém porque ‘depois’. Eu agora sei. Tenho que condenar alguém que sabia antes, quem diz isso é o professor David Medina da Silva", defendeu Marques, citando a obra do promotor do caso, parte da acusação.

"Para haver dolo é preciso haver consciência e eles não tinham essa consciência da espuma. Não tinham. A prefeitura esteve lá [mostrou documento de abril de 2012]", disse ele, que também ​citou a responsabilidade de entes públicos que fiscalizaram o local. ​

Defesa de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que segurava o artefato pirotécnico

Tatiana Borsa, da defesa de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda que usou pirotecnia na Kiss
Tatiana Borsa, da defesa de Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda que usou pirotecnia na Kiss - Juliano Verardi/TJ-RS/Divulgação

A advogada de Marcelo, Tatiana Borsa, encerrou a apresentação de sua defesa exibindo um vídeo de uma carta psicografada por um jovem que morreu na boate Kiss. Ela pediu a absolvição do cliente usando como argumentação que ele confiava no assistente da banda, responsável por cuidar da pirotecnia, e que nunca teve intenção de matar outras pessoas.

"Tenho certeza de que todos os anjinhos que estão lá em cima, que são as vítimas da Kiss, estão aqui, lindos, sorrindo e acreditando que a justiça será feita e não a vingança, absolvam o Marcelo. É só isso que eu peço, ele jamais anuiu a morte de tanta gente. Gente a quem ele ia proporcionar alegria, mas que a reunião de irresponsabilidades ocasionou essa tragédia", afirmou ela na conclusão.

A advogada também trouxe a responsabilidade dos órgãos públicos ao debate. "Aqui aconteceu uma tragédia por causa dos órgãos públicos, pela inércia dos órgãos públicos", afirmou ela.

"Eu sei que a associação (de familiares de vítimas e sobreviventes, AVTSM) está sedenta por uma resposta, mas a resposta chama-se justiça, não vingança."

Defesa de Mauro Hoffmann, sócio-proprietário da Kiss

Bruno Seligman de Menezes, da defesa de Mauro Hoffmann, fala em júri da Kiss
Bruno Seligman de Menezes, da defesa de Mauro Hoffmann, sócio-proprietário da Kiss, fala ao júri - Juliano Verardi/TJ-RS/Divulgação

Bruno Seligman de Menezes, um dos advogados da defesa, pediu a absolvição, desclassificação do crime doloso ou minorante (reconhecimento de participação reduzida) para Hoffmann. Ele foi apontado pela defesa como investidor, que não tomava parte nas decisões na boate, papel de Spohr.

O advogado puxou falas do Ministério Público, já durante os debates, para apontar a tese de que a Promotoria defende o dolo eventual no caso, porque as penas previstas para crime culposo seriam mais baixas.

"Os fatos podem modificar legislações, mas nós não podemos corromper o direito penal para atender a interesses. Interesses da sociedade, da opinião pública, dos pais ou do Ministério Público. Se a lei é limitada, se a lei não dá penas estratosféricas que se sonha, isso é problema legislativo. Temos bastantes agentes jurídicos que abandonam togas e becas e viram deputados e senadores, esse é o terreno de se discutir se a lei tem problema ou não tem problema. Não aqui", defendeu ele.

Ele citou outros casos de incêndios e tragédias pelo mundo que foram julgados como crimes culposos.

Defesa de Luciano Bonilha Leão, assistente de palco da banda, quem comprou o artefato pirotécnico

A bancada de defesa de Luciano Bonilha Leão, que o defendeu durante o júri pelas mortes na Kiss
O roadie Luciano Bonilha Leão com a bancada que o defendeu durante o júri pelas mortes na Kiss - Juliano Verardi/TJ-RS/Divulgação

​A defesa de Luciano colocou duas cadeiras com cartazes escritos "MP", "Bombeiros", "Prefeitura" para dizer que os entes públicos deveriam estar no banco dos réus e rasgou o livro do promotor David Medina da Silva, que traz definição de dolo eventual. Na interpretação da defesa, a obra conflita com a acusação contra o réu.

Jean Severo afirmou que Bonilha é uma figura híbrida, vítima e réu ao mesmo tempo. "Luciano tem que ser absolvido, um roadie, trabalhador, saiu de casa para ganhar R$ 30", defendeu Severo que repetiu algumas vezes no decorrer do júri que seu cliente era inocente. "Isso aqui no máximo é homicídio culposo."

Severo diz que o depoimento do dono da loja que vendeu o artefato pirotécnico ao assistente de palco da banda Gurizada Fandangueira, colocou seu cliente como réu. Ele afirmou que Bonilha optou por comprar o artefato mais barato, apesar de haver outro produto indicado para uso em espaços internos, porém, mais caro.

Quando Antônio Prestes do Nascimento, advogado e pai de Severo, passou a se dirigir aos jurados, ele e o restante da bancada ficaram em pé, abraçados a Bonilha.

"Absolvam os réus ou condenem os réus, a justiça não será feita nesse processo. Aqui tem quatro lambaris, os surubins, os dourados estão todos rindo da nossa cara", afirmou ele.

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