Mortes: Trabalhador incansável, foi de limpador a famoso maître

Ático Alves de Souza atuou por décadas em restaurantes conhecidos de São Paulo

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Geraldo Forbes
São Paulo

O sertanejo, de nome grego, nasceu em Monte Santo, nos confins do norte da Bahia, na região por onde perambulou Antonio Conselheiro, até criar seu reduto em Canudos. Meninote, já crestado pelo sol inclemente de suas longínquas paragens, escutava as narrativas lendárias de outro famoso fora-da-lei, o temido Capitão Virgolino, chamado Lampião, que então assustava a sua vizinhança.

Já com seus vinte e poucos anos, Ático cansou-se daquela vida tão seca, tão dura, tão pobre e decidiu, como tantos conterrâneos tangidos pela fome, retirar-se –como então se dizia– para tentar melhor sorte em São Paulo.

Aqui chegou com poucas letras e aptidões e só pôde encontrar trabalho nos escalões mais modestos da construção civil. Ajudante de pedreiro, um dia alguém sugeriu um outro tipo de serviço braçal –limpador e lavador na cambusa de uma confeitaria chamada Fasano na rua Barão de Itapetininga.

Ático Alves de Souza (1926-2022) - Gustavo Lacerda - 14.mar.2018/Folhapress

Foi por esta porta, bem dos fundos, que nosso Ático deu os primeiros passos no mundo da "restauração’" paulistana. Logo, foi recrutado por um outro restaurante ali perto. Era o então pequenino Ca'd’Oro que se instalava na rua Basílio da Gama.

Foi ali que o conheci em 1961: eu, calouro da Faculdade de Direito, ele, modesto "commis". A sua ascensão profissional foi lenta, mas segura. Inteligente, conhecia as suas limitações e as suplantava com sua dedicação ao serviço e ao aprendizado das maneiras profissionais.

Galgou os postos no que então era o melhor restaurante da cidade graças à sua persistência e à sua competência que foram lhe granjeando o respeito dos seus colegas, a admiração de seus patrões e a simpatia da clientela do local. No começo dos anos 1970, chegou ao topo, onde ficaria por mais de 40 anos: maître d’hôtel, o metre de nossa linguagem.

Foi um trabalhador incansável e é dura a vida de garçom: dois turnos –horas e horas de pé, circulando entre mesas, sempre atento e atencioso, sempre gentil e prestativo. Esses atributos demandam grande esforço dos bons servidores, mas, no caso do Ático, isso logo se tornou simples parte de sua personalidade.

Para ele, o serviço, mesmo nos momentos de grande movimento, não parecia ser uma tarefa complicada –a disposição, a calma, a eficiência e a permanente amabilidade lhe vinham graciosamente.

No intervalo entre almoço e jantar, Ático gostava de ficar no próprio emprego, entre os seus companheiros e os seus aprendizes. Descansava, jogando partidas e partidas de dominó –em que raro perdia– e também ensinando as regras e os truques da profissão para seus subordinados.

Sei que foi um grande professor, pois tinha memória privilegiada e podia contar casos e causos de sua longa experiência e bem-sucedida carreira que eram exemplos vívidos e vividos para as muitas levas de metres e garçons que, informalmente, formou.

O ex-ministro do Trabalho, Almir Pazzianotto, soube reconhecer isso e outorgou ao senhor Ático Alves de Souza a comenda da Ordem do Trabalho. De menino pobre das brenhas do sertão a comendador e maître convidado do Fasano/Parigi, ele trilhou um caminho duro, difícil, mas triunfante.

Fui seu amigo e "cliente" –como ele dizia– por 60 anos. Sempre foi de enorme delicadeza com todos os meus filhos, amigos e amigas. Só tenho dele boas lembranças.

Foi embora, em paz, aos 95 anos, neste 17 de janeiro. Deixou a sua amada Dolores, seus filhos, muitos discípulos, colegas e amigos, além de uma legião de agradecidos fregueses. E deixa, sobretudo, um exemplo de trabalho.

Com a emoção da saudade ainda o vejo: elegante com seu clássico smoking e soberano em sua dignidade inigualável.

​​coluna.obituario@grupofolha.com.br

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